Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
O Teatro Aliança Francesa, um dos mais tradicionais espaços culturais do centro de São Paulo com 60 anos de história e palco de resistência à ditadura militar, é mais uma vítima da decadência da região central da maior metrópole do País e fechará suas portas. A última peça a ser encenada no emblemático tablado é Agnes de Deus, que faz sua última sessão no domingo, 3 de dezembro.
A decisão pelo fechamento é econômica e se deve à baixa procura de cursos de francês na antiga sede da Aliança Francesa em São Paulo, na rua General Jardim, 182, na República, prédio onde fica o teatro. Isso fez com que a instituição decisisse colocar o prédio à venda e transferisse sua sede para a unidade da Faria Lima, atual centro de negócios paulistano.
Atualmente, a unidade Aliança Francesa na República, construída pelo arquiteto franco-brasileiro Jacques Pilon (1905-1962) — nome importante da arquietura paulistana e também autor do prédio da Biblioteca Mário de Andrade — é vizinha de pontos de prostituição e motéis do baixo meretrício. A vizinhança sofre com a forte violência de ladrões de bicicleta em seu entorno, além de usuários de crack que tornam, cada vez mais, o centro de São Paulo um lugar perigoso que espanta qualquer público.
O diretor-geral da Aliança Francesa de São Paulo, Nicolas Duvialard, afirma que a pandemia agravou ainda mais o cenário de baixa procura, já que após o isolamento social, 82% das aulas passaram a ser online. Além disso, o francês já não é tão procurado mais como segundo idioma, já que o inglês é cada vez mais vitorioso.
A produtora Livia Carmona, que integrou o time de funcionários do Aliança Francesa, chegou a entrar com pedido de tombamento do prédio no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, e na Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo. Contudo, o processo é demorado e não deve conseguir se concretizar antes da venda do imóvel.
Palco histórico
O Teatro Aliança Francesa foi aberto no fatídico mês de março de 1964, às vésperas do golpe militar. Logo, seu palco serviu como base da resistência artística à ditadura, além de incentivar constantemente a aproximação cultural entre o teatro francês e o brasileiro.
Pelo Teatro Aliança Francesa passaram nomes importantes como Marília Pêra, Leilah Assumpção, Antunes Filho, Antonio Fagundes, Othon Bastos, Gianfrancesco Guarnieri, Eva Wilma, Antônio Abujamra, Stênio Garcia, Clara Carvalho e Sandra Corveloni, entre outros, além de ter recebido a visita do romeno Eugène Ionesco (1909-1994) , mestre do teatro do absurdo.
O fechamento do Teatro Aliança Francesa se soma a recentes fechamentos de salas teatrais de São Paulo, como o Teatro Alfa, em Santo Amaro, a Sede Luz do Faroeste, na Luz, o Núcleo Bartolomeu, na Pompeia, o Viga Espaço Cênico, no Sumaré, e o Teatro Contadores de Mentira, em Suzano, na Grande São Paulo.
Compre ingresso para Agnes de Deus, última peça do Teatro Aliança Francesa
Artistas lamentam o fim do Teatro Aliança Francesa
Em entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo, artistas e personalidades que atuam na cultura lamentam o fechamento do Teatro Aliança Francesa em São Paulo. Leia os depoimentos.
O fechamento do Teatro Aliança Francesa é uma grande perda para o público, para a classe artística e para a cultura da cidade de São Paulo.
Eduardo Tolentino de Araújo
diretor do Grupo Tapa
O fechamento do Teatro Aliança Francesa pra mim é uma tristeza imensa porque é o fim de um dos últimos teatros de rua, super bem equipados, com 223 lugares que é um tamanho maravilhoso para um teatro. Eu trabalhei nesse teatro durante mais de 30 anos, eu estive lá muitas muitas vezes e tenho um afeto enorme por aquele espaço. E não só pelo espaço, mas pela própria Aliança Francesa e aquele prédio da General Jardim, que tem um café delicioso, tinha uma livraria, uma biblioteca, cheia de preciosidades, então eu acho uma coisa lastimável, é uma perda que não tem como substituir, não se fazem mais teatros assim. Um teatro com 60 anos, que está todo renovado, funcionando, pleno, e vai ser eliminado. Eu lamento como artista, atriz, diretora, pessoa da cultura, e lamento profundamente, acho um gesto imperdoável demolir o teatro, pois ele não vai ser só fechado, ele vai ser demolido, então isso é de uma violência, é muito triste. Estou terminando a temporada de Agnes de Deus lá e nem sei como vai ser nesse domingo pra gente dar adeus aquele palco, aquele espaço, aquela plateia!”
Clara Carvalho
atriz e diretora – Grupo Tapa
O que mais me impacta enquanto artista, não é o encerramento das atividades, porque um teatro fechado, sem atividades, por pior que seja, tem a possibilidade em algum momento reabrir, sob a tutela de algum novo proprietário, ou curador… O que mais me arrasa é a iminência da demolição e a nossa impotência diante da especulação imobiliária. É a transformação de 60 anos de uma importante construção artística em escombros. É ver o rolo compressor das empreiteiras se aproximando e não poder fazer nada. Isso me impacta. Isso me entristece. Isso me arrasa.
Ariell Cannal
ator e diretor de produção de Agnes de Deus, última peça encenada no Teatro Aliança Francesa
O fechamento de um teatro é sempre uma notícia triste, ainda mais se tratando de um local com tamanha tradição e com valor arquitetônico histórico. Tive a oportunidade, por meio de um convite da Livia Carmona, assessorar a programação cultural do Teatro Aliança Francesa de 2019 a 2022, e pude ver de perto o esmero na curadoria de programação, que ia além de montagens teatrais, com debates, sessões de cinema, festivais como o Jazz/BR, concertos musicais e palestras que contribuíram para revitalizar o Centro de São Paulo. E foi a casa artística do Grupo Tapa durante mais de uma década. Então, o impacto artístico e econômico é muito grande.”
Adriana Balsanelli
assessora cultural
Se a especulação imobiliária atropela o sentido de cidadania, colocando o interesse privado acima de tudo, é fundamental que o poder público consiga mediar para impedir o impacto que é retirar o acesso da população a uma importante referência cultural da cidade. É necessário sempre reafirmar que espaços culturais privados contribuem tanto para gerar valores simbólicos quanto movimentam a economia de seu entorno. Desconsiderar esses fatores, priorizando o lucro, esvazia o sentido humano da convívio urbano, abrindo as portas para a barbárie.”
Hugo Possolo
ator, palhaço e diretor do grupo Parlapatões
ex-secretário de Cultura da Cidade de São Paulo
Fiquei chocado quando li a notícia. É uma resistência difícil. Aliás, vários teatros de grupo fecharam nesses últimos anos também. Os quatro anos do governo anterior deixaram sequelas terríveis que vão exigir muitos anos para a recuperação da cultura nacional. Empobrecemos culturalmente e temos que reconstruir nossa cultura, especialmente em termos de espaços para manifestações artísticas. O Teatro Aliança Francesa marcou o teatro paulista sempre com excelentes montagens. Seu fechamento é um sintoma de uma ruptura muito mais profunda e perigosa.”
Rodolfo García Vázquez
diretor da Cia. de Teatro Os Satyros
O fim do Teatro Aliança Francesa é mais um capítulo terrível do completo abandono do centro de São Paulo pelo poder público. Um palco com tanta trajetória não deveria terminar assim, de forma abrupta, como um lamentável presente de aniversário em seus 60 anos de pura história.
Miguel Arcanjo Prado
jornalista e crítico de artes
ex-vice-presidente da APCA
Fiz trabalhos importantes no Teatro Aliança Francesa. Entre outros, Madame Blavatsky do Plínio Marcos, Raposas do Café com o Grupo Tapa, o Escrivão com direção do Abujamra etc. Nossa primeira apresentação de experimentos da SP Escola de Teatro foi feita nele. Grandes recordações. O fechamento desse teatro, ou seja de qualquer outro, é uma perda irreparável para as artes cênicas.”
J.C. Seroni
cenógrafo e arquiteto
O Teatro Aliança Francesa (onde fiz cursos de francês desde meus 17 anos) faz parte da história do Teatro Paulista, onde vi inúmeros espetáculos inesquecíveis. O Grupo Tapa, com sua qualidade de teatro estável, o ocupou brilhantemente na últimas décadas. Uma perda irreparavel.”
Aguinaldo Cristófani Ribeiro da Cunha
advogado e crítico teatral
ex-presidente da APCA
O fechamento do Teatro Aliança Francesa é uma perda irreparável para a cultura brasileira e para a cidade de São Paulo. O teatro foi importante local de resistência à Ditadura Militar (1964 -1985). A sala recebeu peças históricas, como a estreia, em 1969, de Fala Baixo Senão Eu Grito, de Leilah Assumpção, estrelando Marília Pêra, e Um Grito Parado no Ar, de Gianfrancesco Guarnieri, com Othon Bastos. A história deveria ser preservada, além disso falamos de um espaço no centro de São Paulo em que ter um teatro ali representa ocupar o Centro de São Paulo. Sem os equipamentos históricos da cidade, como fomentar a história e a importância do que fizemos no passado? Eu estive nos 50 anos do Aliança Francesa e é lamentável que os 60 anos culmine com seu fechamento. Ali nos 50 anos muito se falou em manter a arte viva, sobre as oportunidades de transformação da sociedade. Isso deveria ser responsabilidade pública da cidade, no entanto o prédio sendo privado esse interesse que transpõe o capital perde valor. Por isso, é importante que a cultura receba políticas públicas: ela serve para transformar, documentar.”
Kyra Piscitelli
jornalista e crítica teatral
Muito triste a perda de mais um patrimônio cultural, de quase 60 anos. Ainda mais no centro da cidade, que carece tanto disso para sua revitalização. O fechamento do Teatro Aliança Francesa é a especulação imobiliária vencendo a guerra contra a cultura.”
Vinicio Angelici
crítico da APCA
O fechamento do Teatro Aliança Francesa é uma tristeza! Vi grandes espetáculos, fiz montagens autorais e clássicos da nossa dramaturgia. O fechamento de um teatro é um pedaço de todos nós que vai junto”.
Dan Rosseto
ator, diretor e dramaturgo
O fechamento do Teatro Aliança Francesa é uma tristeza para o Fabio produtor e assessor de imprensa, pois lá vivi importantes momentos da minha carreira como na comemoração dos 50 anos do Teatro em que fui assessor e como produtor com as montagens dos espetáculos Enquanto as Crianças Dormem e Eles não usam Black-Tie. Para o cidadão é uma perda maior ainda, pois é um espaço cultural icônico na cidade de São Paulo, palco de espetáculos que marcaram época com Antunes Filho, Marília Pera, Antônio Fagundes, Gianfrancesco Guarnieri e o grupo Tapa. Mais um dos grandes Teatros de rua de São Paulo vai embora e nos deixa órfãos. Um local que sempre foi referência de peças de extrema qualidade e resistência nos momentos de adversidade que passamos.”
Fabio Camara
produtor e assessor teatral
Em 2011, nós da De Haro Produções Artísticas/Cia Veneno do Teatro, propusemos ao diretor na época Maurice Nahory a ativação do Teatro Aliança Francesa após 8 anos de inatividade. Esse sábio gestor aceitou nossa proposta e, após um árduo trabalho para tornar o teatro operante para técnicos, produtores, atores e eventos, reinauguramos o famoso espaço com a estreia da peça O Veneno do Teatro de Rodolf Sirera e que se passa na Paris pré-revolução francesa. Foi um sucesso! Depois fomos convidados para a gestão artística e técnica do teatro e montamos um comitê de curadoria. Assim, o teatro passou a receber produções e entrou novamente no circuito. Foram 02 anos de muitas conquistas e desafios onde percebemos que havia necessidade de compor com parceiros institucionais e empresariais. No nosso entender, havia essa possibilidade de simples implantação, pois várias empresas franco-brasileiras estavam dialogando com nosso grupo. No escopo desse projeto, até o prêmio Moliére poderia ser restabelecido. No entanto, a coordenação cultural que assumiu e com a saída do diretor visionário Nahory, os caminhos tomaram outros rumos e a centralização ao invés da cooperação se impôs e decidimos não mais haver espaço de diálogo e trabalho. A simples cópia dos projetos que colocamos em pauta durante nossa gestão sem a devida aptidão e conhecimento das artes do palco também cooperaram para esse lamentável desfecho.
Bartholomeu de Haro e Elen Londero
Cia Veneno do Teatro e De Haro Produções Artísticas
Mais um teatro que fecha as suas portas, perdemos nestes últimos anos muitos espaços. Para a classe é um desrespeito, para as pessoas algo normal, mas nós, gente de teatro não nos calamos e nunca desistimos, a luta para nós recomeça todos os dias.”
Carol Hubner
atriz
O encerramento do Teatro Aliança Francesa é mais um exemplo das dificuldades enfrentadas pelos espaços culturais em nosso país. Sentiremos falta do teatro, das diversas atividades culturais e do delicioso café bem na entrada. Foi um privilégio ter divulgado vários espetáculos num espaço lindo e com pessoas agradáveis como a diretora cultural Livia Carmona.
Cris e Flavia Fusco
assessoras culturais
Lembre peças que passaram pelo Teatro Aliança Francesa em 60 anos de história
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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