Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Aqueles que estiveram na sessão do filme Auxilio, oitavo longa da talentosa diretora argentina Tamae Garateguy, no 15º Cinefantasy em São Paulo, ficaram certamente impressionados ao perceber como ela constrói de forma habilidosa uma verdadeira catarse contra a opressão eclesiástica e institucional que segue sobre as mulheres ao longo dos tempos.
“Auxilio é um conto de horror que denuncia o abuso eclesiástico. Quis que seja um grito que permita às mulheres liberar-se das opressões das instituições. Auxilio é uma catarse”, define a cineasta de Buenos Aires, em São Paulo pela primeira vez, durante a entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo, logo após a estreia brasileira de seu longa no MIS – Museu da Imagem e do Som, na última quinta, 7 de dezembro.
Cinefantasy faz defesa ao cinema argentino e audivoisual latino-americano
Com a história de uma jovem portenha dos anos 1930, Emilia (Cumelen Sanz), cuja família de elite a manda para um tenebroso convento por ela não aceitar o casamento arranjado com um militar, o filme é uma coprodução Argentina e Colombia. O elenco conta com a estrela colombiana Marcela Benjumea, na pele da Madre Superiora. “O filme ganhou muitos talentos colombianos que se somaram aos argentinos, e isso dá uma riqueza interessante à produção”, diz Tamae.
No elenco estão ainda Gerardo Romano, Paula Carruega, Martina Garello, Anahí Martella, Camila Toker, Verónica Intile, Eva Dans, Lorena Damonte, Patricia Castro, Carina Conti, Jazmín Rodríguez, Celina Demarchi, Gabi Valenti e Germán Baudino.
Cinema de gênero para falar de temas difíceis
Sobre a aposta constante no cinema de gênero, a diretora argentina diz que escolhe esse estilo porque, “se contasse seus temas de maneira realista, seria muito cru”.
Falar de temas difíceis, como abuso eclesiástico e abuso das instituições através do gênero, com os fantasmas, as possessões, um pouco do subgênero rape and revenge, que é o gênero com mecanismos mais exagerados que propõem um acordo com o espectador, me parece que é uma maneira que permite abordar temas muito difíceis. Por isso é que escolho o cinema de gênero como maneira para expressar-me, dizer coisas e denunciar também — por que não? — algumas questões que são difíceis.”
Tamae Garateguy
diretora argentina de Auxilio, destaque no Cinefantasy
Mas, o que mudou e o que segue igual quando falamos de seu filme de horror e de época? “Creio que já na pergunta está a resposta. Temos a sensação de que algumas opressões desapareceram, porque passou quase um século do período em que se passa o filme Auxilio aos dias atuais, mas creio que ainda seguem sucedendo abusos às mulheres, minoria em que mais recaem muitas das opressões sociais. E ser um filme de época permite o mesmo que o cinema de gênero em si: uma distância, que nos faz lembrar de épocas anteriores, e na realidade nos faz ver que essas opressões seguem da mesma maneira hoje em dia. Querendo corrigir a todas as mulheres que saem dos mandatos sociais ou que pretendem ter visões ou vidas livres particulares, viver em liberdade, e seguem sendo oprimidas pelas sociedades. Ao que parece que o tempo passou, não há passado muito. Segue acontecendo o mesmo”, afirma.
Cineasta argentina em São Paulo
Além de prestigiar os filmes dos colegas no Cinefantasy, que reúne 110 filmes de 20 países de 2 a 9 de dezembro, Tamae aproveita para conhecer São Paulo e toda a grandeza da quarta cidade mais populosa do mundo.
São Paulo é incrível. Sou de Buenos Aires, que ao lado de São Paulo é uma cidade pequena. São Paulo é uma megalópoles. Estou aproveitando muito. Amo as grandes cidades. São Paulo é tão imensa que a questão é: por onde começo a conhecê-la? E estou adorando isso.”
Tamae Garateguy
diretora argentina de Auxilio, destaque no Cinefantasy
Sobre o festival, diz que está vivendo dias felizes. “O Cinefantasy nos recebe de braços abertos. Monica Trigo, a diretora do festival, nos mima e nos convida a coisas lindas. Estamos vivendo dias deliciosos, de cinema e de fantasia. Estou muito feliz em estar aqui com Auxilio”, conta. O Brasil poderia surgir em algum filme futuro de Tamae Garateguy? “Adoraria fazer pela primeira vez uma coprodução com o Brasil”, avisa.
Adoraria fazer pela primeira vez uma coprodução com o Brasil.”
Tamae Garateguy
diretora argentina
Tamae Garateguy, uma diretora fantástica
Tamae Garateguy é hoje uma das maiores referências do cinema de gênero na América Latina, dona de um olhar diferenciado que torna seus filmes vigorosas obras da sétima arte.
Com oito longas-metragens solo e outros três filmes co-dirigidos, duas comédias e um filme de terror, ela estreou no cinema de gênero com o bem sucedido Pompeya, que levou o Prêmio de Melhor Filme Argentino no disputado Festival Internacional de Cinema de Mar Del Plata em 2010 e ainda repetiu o feito no Festival de Varsóvia, na Polônia, em 2011, quando levou o Prêmio Espírito Livre, e foi a lugares como Toronto, Bifan, Rio Film Festival e SXSW.
Diante de tanta repercussão já na largada, seu segundo filme, Mujer Lobo, fez também bem sucedida carreira, sendo exibido em Mórbido Film Festival, Havana, Fantastic Fest, Fantaspoa, Bifan e Bafici.
Em 2018, foi a vez de lançar seu terceiro e quarto filmes: seu primeiro documentário, 50 Chuseok, rodado na Coreia do Sul graças ao apoio da Seoul Film Commission, e Hasta Que Me Desates. Depois realizou o quinto longa, Las Furias, um faroeste sul-americano de 2020 depois de ganhar quatro prêmios de pós-produção no Guadalajara Construye 2019.
Em 2021 lançou outros dois filmes, seu sexto e sétimo, 10 Palomas, um filme policial, e El Amarre, um filme de terror rodado em México e produzido pela Lemon Films, ambos rodados em 2019.
Seu oitavo longa, Auxilio, estreou em Bifan e depois em Sitges em 2023, encerrando o ano como destaque do Cinefantasy de São Paulo, Brasil. Com uma narrativa de horror com mulheres que se revoltam à opressão e abusos cometidos por um padre em um soturno convento na Buenos Aires dos anos 1930, o longa é uma verdadeira catarse contra a opressão eclesiástica e institucional às mulheres.
Tamae Garateguy: Blog do Arcanjo lembra trajetória da talentosa diretora argentina de cinema
Auxilio, de Tamae Garateguy, no 15º Cinefantasy: Blog do Arcanjo mostra quem passou pela sessão argentina no festival no MIS
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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