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Kleber Mendonça Filho analisa fenômeno Bacurau na Mostra de Cinema de Tiradentes: ‘Catarse’

Kleber Mendonça Filho na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes © Leo Fontes Universo Produção Blog do Arcanjo 2024

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Enviado especial a Tiradentes – MG*

O cineasta Kleber Mendonça Filho, de filmes como Aquarius, Bacurau e Retratos Fantasmas, participou de um debate sobre o tema do evento, As Formas do Tempo, na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, realizada de 19 a 27 de janeiro na cidade histórica mineira com 145 filmes, 600 convidados, 35 mil pessoas atingidas e R$ 10 milhões injetados na economia. A pedido do Blog do Arcanjo, o diretor pernambucano de 55 anos analisou, já com certo distanciamento histórico, o fenômeno que o filme Bacurau foi em 2019, ano em que ganhou o primeiro Prêmio Arcanjo de Cultura no Theatro Municipal de São Paulo. Leia a seguir o que disse o artista.

Thomas Aquino, protagonista de Bacurau, recebe o Prêmio Arcanjo de Cultura em Cinema no Theatro Municipal de São Paulo em dezembro de 2019 – Foto: Annelize Tozetto/Blog do Arcanjo
Kleber Mendonça Filho na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes © Leo Fontes Universo Produção Blog do Arcanjo 2024

Bacurau como catarse

“Bacurau foi filmado em 2018. O presidente hoje inelegível foi eleito em 2018 [Jair Bolsonaro], no final do ano, a gente já tinha filmado o filme, mas eu acho que eu e Juliano [Dornelles, codiretor] já estávamos com as antenas ligadas. E a gente tinha já captado uns climas muito ruins em relação ao que estava acontecendo no País. E quando o filme saiu, em 2019, já com o presidente eleito [Bolsonaro] e uma certa atmosfera brutal no País, acho que o filme casou muito bem com isso. É claro que eu estou feliz como brasileiro em relação à alteração que começou um ano atrás com o novo presidente, a volta do presidente Lula, mas eu também acho que nosso país é muito frágil de certa forma, então, é claro que a gente está no caminho correto, um pensamento democrático, mas eu acho que o que aconteceu naquela virada, em 2016, com o [Michel] Temer – e é incrível como o Temer está saindo do leso, já de uma revisão histórica recente, tudo fica em cima do Bozo -, mas a coisa realmente ficou muito feia e mostrou como tudo era muito frágil em 2016, com o Temer. E aí, Bacurau saiu em 2019, sim, mas eu ficava um pouco…, eu entendia, mas eu ficava um pouco perturbado com aquele bota-fora emocional que o filme gerou. Eu gosto de catarse em cinema, eu gosto. Eu vi bons filmes ao longo da minha formação que tem o elemento de catarse e eu acho, na verdade, o final de Bacurau muito legal. Triste, mas eu acho que era um momento que estava todo mundo querendo fazer, ter algum tipo de bota fora emotivo. E eu acho que o filme se encaixou muito bem nessa chave. E, falando da abertura do filme, tivemos a sorte de poder comprar aquela música para a abertura, com a Gal Costa cantando Não Identificado, do Caetano Veloso. Então, a Gal Costa vai estar lá para sempre abrindo Bacurau nas estrelas.”

Ficava um pouco perturbado com aquele bota-fora emocional que Bacurau gerou.”

Kleber Mendonça Filho
cineasta
Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, provocou catarse no público em 2019 © Divulgação Blog do Arcanjo 2024
Kleber Mendonça Filho na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes © Leo Fontes Universo Produção Blog do Arcanjo 2024

Recife, Contagem, pessoas, Filmes de Plástico e Bacurau

Kleber Mendonça Filho falou também da questão geográfica que a Filmes de Plástico realizou com a cidade de Contagem, em Minas Gerais.

Contagem, para mim, é cinema. Contagem é Filmes de Plástico.

Kleber Mendonça Filho
cineasta

“Estava saindo do aeroporto de Confins e vi uma placa na estrada escrito Contagem. E para mim Contagem é cinema. Contagem é Filmes de Plástico [produtora cinematográfica que vem se destacando na última década com filmes produzidos na cidade mineira como Marte Um, de Gabriel Martins, e Temporada e O Dia em Que Te Conheci, de André Novais Oliveira]. O cinema dos Estados Unidos fez isso, mitificou lugares onde nós nunca fomos. Eu nunca fui, por exemplo, naquela montanha de Dakota, que tem a cara dos quatro presidentes norte-americanos. Aquele lugar faz parte da minha imaginação por causa do [Alfred] Hitchcock. Mas eu nunca fui naquele lugar, ou quando eu for lá eu vou cair pra trás. Porque, uau, isso aqui faz parte da minha vida há tanto tempo. Então, o Recife, naturalmente, faz parte dos meus filmes e me espanta que isso ainda gere, não é o caso da sua pergunta, mas que isso ainda gere algum espanto em algumas pessoas. Um jornalista do Sudeste me perguntou: “Por que mais um filme sobre o Recife?”. Eu acho que sendo vindo do Recife, é claro que eu tenho um ponto de vista sobre o Brasil que é de Pernambuco, que é do Nordeste, que é diferente de um ponto de vista, sei lá, de São Paulo ou de Curitiba. E eu acho que isso, claro, tem a ver com a forma que a gente se comporta. Como eu olho para a história. Isso tem a ver com a forma como eu olho para a história e a cultura do país de onde eu venho. Isso tem muito a ver com essa historialidade. No caso de Bacurau, eu me senti seguro de escrever aquele filme com Juliano [Dornelles, codiretor], porque, bom, eu não sou do sertão. Eu sou da cidade, mas o sertão, ele faz parte da minha vida através de amigos e amigas e pessoas que eu gosto que são do sertão, que são família do sertão e das muitas viagens que eu fiz ao sertão. Então, Recife, de uma certa forma, ele vive o sertão. Quando uma amiga diz que chegou um queijo, que chegou do sertão. E amanhã à noite ela vai abrir esse queijo pra todo mundo conversar e beber. Isso é um pouco o sertão. E aí você ouve histórias do sertão. Você lê sobre o sertão. Então, a gente se sentiu seguro que a gente tinha descrever aquele filme Bacurau. Com uma certa verdade que, pra início de conversa, existia. Quando a gente foi pro sertão, aí o filme explodiu da maneira mais linda possível. Porque a gente fez uma chamada pra atores e atrizes e pessoas que gostariam de colaborar com o filme. E a gente, aos poucos, juntou um grupo que é incrível, muito lindo. E a parte final da produção, eu e o Juliano, a gente entendeu que… porque a nossa assistente falou pra gente que essas pessoas que foram a trabalhar no filme, como figurantes e pessoas colaboradas no filme, na verdade, eram todas as pessoas da região que eram rejeitadas nas suas comunidades. Então, essa força dessas pessoas rejeitadas, ou eram queers ou eram trans, ou eram pessoas ‘estranhas’, descritas como ‘estranhas’ nas suas comunidades, todas essas pessoas vieram participar do jogo. Então, um filme não é o trabalho apenas dos diretores e roteiristas, mas é o trabalho de muita gente. Que você ouve e você diz, mas essa pessoa é incrível, é linda, esse cara é linda, olha a maneira como ele fala, esse sotaque, não tem canto nenhum mais. E aí isso termina entrando no filme. E aí o efeito geral bem editado e supostamente bem fotografado, acho que é o filme, é o que um filme faz.”

Kleber Mendonça Filho na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes © Leo Fontes Universo Produção Blog do Arcanjo 2024

*O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viaja a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes e da Universo Produção. Agradecimento: Jozane Faleiro – Luz Comunicação.

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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