Teatro Oficina acusa Grupo Silvio Santos de ‘ação truculenta’ e briga por terreno ganha novo capítulo

Zé Celso chora no Teatro Oficina ao receber indenização por ter sido torturado: briga com Grupo Silvio Santos tem novo capítulo sete meses após morte do diretor © Julia Chequer Arquivo 7/4/2010 Blog do Arcanjo 2024

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Sete meses após a morte de Zé Celso, a velha disputa pelo terreno no entorno do Teatro Oficina com o Grupo Silvio Santos teve mais um capítulo na manhã desta segunda, 5 de fevereiro. Segundo postagem do grupo teatral fundado por Zé Celso em 1958, “o Teatro Oficina foi surpreendido por uma ação truculenta de fechamento dos arcos do beco empreendida pelo Grupo Silvio Santos”.

A ação consistiu no emparedamento com tijolos das duas saídas que existem ao fundo do teatro eleito o mais belo do mundo pelo jornal inglês The Guardian e constantes no projeto dos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito, patrimônio material e imaterial tombado nas três esferas, municipal, estadual e federal. O fechamento das passagens, que davam acesso ao terreno pertencente a Silvio Santos, fere a arquitetura tombada.

Grupo Silvio Santos emparedou com tijolos a saída em arcos ao fundo do Teatro Oficina: “ação truculenta”, dizemo os artistas sobre ferimento ao patrimônio tombado projetado por Lina Bo Bardi e Edson Elito e eleito o mais belo teatro do mundo pelo jornal inglês The Guardian © Reprodução Blog do Arcanjo 2024

Ainda de acord com o Oficina, “está em curso uma ação de reintegração de posse da escada azul, que liga os arcos ao terreno” e “o Grupo Silvio Santos se antecipou à ação judicail, cometendo a retirada precipitada da escada, antes que a juíza desse o parecer final da reintegração de posse”.

O Oficina diz que “um fato novo foi anexado ao processo: a destinação de verba pelo MP [Ministério Público] e poder exexcutivo para desapropriação do terreno no entorno do teatro”. Fato esse que, de acordo com a companhia, “já muda o jogo, e no entanto, o Grupo Silvio Santos em ação precipitada, atravessou o próprio processo legal”.

Teatro Oficina visto do terreno de Silvio Santos, onde os artistas sonham em criar o Parque do Bixiga, a exemplo do elogiado Parque Augusta - Foto: Bruno Poletti - Blog do Arcanjo
Teatro Oficina visto do terreno de Silvio Santos, onde os artistas sonham em criar o Parque do Rio Bixiga, a exemplo do elogiado Parque Augusta © Bruno Poletti Blog do Arcanjo 2024

Teatro Oficina é patrimônio tombado

O Oficina classifica o fechamento dos arcos do becho de “ato ilegal” e diz que “trata-se de violência simbólica e concreta contra patrimônio material e imaterial tombado nas três instâncias de proteção (municipal, estadual e federal”.

O grupo lembra que “o Oficina foi tombado – junto com outros 19 teatros – como patrimônio imaterial de São Paulo em 2014, nessa época os arcos já estavam abertos, sendo parte da proteção mantê-los assim”.

Zé Celso dirige Esperando Godot no Teatro Oficina durante a pandemia – Foto: Jennifer Glass – Blog do Arcanjo

“A vocação desse teatro-território é abrir os abcessos fechados dos massacres políticos desse país”, diz o Oficina no seu comunicado. E prossegue: “Nós estamos sofrendo uma retaliação polític apela luta coletiva pela preservação do último chão de terra livre do centro da cidade de São Paulo das garras da especulação imobiliária”.

Vista externa do Teat(r)o Oficina do terreno do Grupo Silvio Santoa, com a escada que foi retirada e as passagens que foram emparedadas nesta segunda – Foto: Marcos Camargo- Arquivo Blog do Arcanjo

Os artistas do Oficina lutam para que o terreno no entorno do teatro se transforme em um parque público, como era sonho de Zé Celso, o Parque do Rio Bixiga. No último aniversário de São Paulo, 25 de janeiro, houve um ato no local que reuniu centenas de pessoas em prol da área verde.

Silvio Santos já manifestou desejo de fazer prédios e shopping no terreno no entorno do Oficina.

Vista lateral do Teat(r)o Oficina a partir do terreno de Silvio Santos – Foto: Felipe Stucchi Arquivo Blog do Arcanjo

Grupo Silvio Santos diz ter autorização judicial

O Grupo Silvio Santos se manifestou e disse que tem autorização judicial para fazer o que fez: “Comprovado nosso direito, obtivemos decisão favorável nesse sentido, e cumprimos com a decisão judicial. O correto teria sido a outra parte ter executado o reparo, mas, pela incapacidade financeira alegada, o juízo entendeu que o GSS poderia fazê-lo. Reforçamos que temos muito respeito pelo Teatro Oficina e esperamos que compreendam”.

Iphan diz que não autorizou emparedamento do Oficina

O Iphan afirma que não autorizou o emparedamento e que deveria ter sido consultado, já que o local é tombado.

Nesta terça, 6 de fevereiro, às 12h, Oficina convoca o público para um ato no espaço na Rua Jaceguai, 520.

A guerra entre arte e especulação imobiliária, que inspirou a série infantil Castelo Rá-Tim-Bum mais de 30 anos atrás, parece longe do fim.

Nota da defesa do Oficina

“O Grupo Silvio Santos ajuizou ação em 2014 buscando, dentre outros pleitos, a retirada da escada colocada no entorno do Teatro Oficina, cedido em comodato ao referido Teatro, bem como o refazimento da parede divisoria, com o fechamento de uma abertura.
O desfecho se deu em 2019, favoravelmente ao grupo Silvio Santos, e desde então está sendo discutido, no cumprimento de sentença, se a retirada da escada e o fechamento do espaço não estariam porventura violando as regras de tombamento do teatro. Após análise técnica do Ministério Público, e após largo tempo de discussão a respeito, o MP chegou à conclusão de que a escada poderia ser retirada, mas que o fechamento da referida abertura deveria ser precedido de autorização dos órgãos responsáveis pelo tombamento do teatro. Tal manifestação do Ministério Público foi reiterada em janeiro desse ano, com amparo no Parecer Técnico elaborado pelo CAEX , “enquanto a Executada obtém junto aos órgãos preservacionistas responsáveis a aprovação da obra para refazimento da parede divisória”.Ocorre que na terça -feira passada (dia 30 de janeiro de 2024) o Teatro requereu a suspensão do feito por 90 dias, devido à superveniência de fatos novos fundamentais: em dezembro de 2023, num acordo celebrado entre Ministério Público e a Prefeitura de São Paulo, se decidiu que parte dos recursos que integram ajuste judicial feito com a UnInove, seriam destinados à construção do tão desejado Parque do Rio Bixiga – exatamente na área do entorno do teatro. Ou seja, exatamente a área onde se localiza a escada.

Na última sexta-feira (dia 02 de fevereiro), o Juiz intimou o grupo Silvio Santos para se manifestar sobre o pedido de suspensão.

A resposta não poderia ser mais insólita: exatamente na manhã do primeiro dia útil após a intimação, o Grupo Silvio Santos decidiu promover a retirada da escada, sem nenhum aviso prévio, além de promover e o fechamento da referida abertura numa das paredes do teatro.

Se é verdade que existe autorização judicial para a retirada da escada, também é verdade que o momento escolhido para esse ato – exatamente quando se aguarda a decisão do juiz sobre o pedido de suspensão do processo – causa estranheza, e surpreende pela precipitação.

De outra parte, o fechamento da mencionada abertura foi feita ao arrepio da determinação judicial, pois o posicionamento do MP a esse respeito é o de que se aguarde a autorização prévia dos órgãos responsáveis pelo tombamento, o que efetivamente não ocorreu. Em outras palavras, existe a possibilidade de que tal fechamento viole as regras do referido tombamento.

Por essa razão, o Teatro Oficina pleiteará hoje ao Juiz que sejam apuradas as responsabilidades do grupo Silvio Santos pela possível violação às referidas regras.

São Paulo, 5 de fevereiro de 2024

Teatro Oficina – Uzyna Uzona
Juca Novaes – OAB / SP 70.772
Novaes e Roselli Advogados”

Zé Celso e Silvio Santos se reúnem em 2017 com o então prefeito João Doria e com a presença do vereador Eduardo Suplicy para tentar resolver a questão do terreno no entorno do Teatro Oficina © Divulgação Arquivo Blog do Arcanjo 2024

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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