Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
No fim de tarde, sob um tímido sol de outono, jovens elegantes sobem a avenida Hipólito Irigoyen rumo à Universidade Nacional de Córdoba, ao lado do majestoso parque Sarmiento. Enquanto isso, na região histórica do centro, igrejas centenárias mergulham no compenetrado silêncio, misturando luz e escuridão. Em outro canto da cidade, nos bares à beira da La Cañada, um charmoso boulevard com um rio ao meio e cenário do recente filme argentino Tokio, um jovem casal apaixonado toma mais um copo de Fernet com Coca.
Tudo isso é Córdoba, segunda maior cidade argentina, localizada no centro do País. Acostumada a receber estudantes universitários e dona de um patrimônio histórico reconhecido pela Unesco, a cidade une modernidade e tradição em cada esquina. E, apesar de seus 1,2 milhão de habitantes, a metrópole mantém o charme e a paz interioranos.
A capital da Província de Córdoba já possui ligação aérea diária com São Paulo e está em busca de conquistar os turistas brasileiros que já conhecem Buenos Aires e procuram novo destino em nosso país vizinho.
Alguns brasileiros já descobriram Córdoba, sobretudo pelo “turismo idiomático”, como conta Analía Righetti, diretora de Turismo da Municipalidade de Córdoba e coordenadora da UT Turismo Mercocidades, ao Blog do Arcanjo.
“Estamos acostumados a receber brasileiros que chegam querendo aprender espanhol”, diz. Ela conta que Córdoba trabalha com a ideia de “tudo em uma”, já que é uma metrópole que busca ares cosmopolitas sem, contudo, deixar de lado a importância de seu passado histórico.
“Córdoba fez a revolução universitária e esteve no centro de importantes mudanças históricas que a Argentina teve. Além disso, a universidade sempre deu a Córdoba a força dos jovens”, afirma Analía.
Córdoba está entre as 20 cidades do mundo para se visitar
Em 2014, Córdoba foi eleita pelo canal National Geographic, o NatGeo, como uma das 20 cidades mundiais para se visitar. E, nela e em seus arredores, sobram atividades para o turista.
Seja passar o domingo de sol no Parque Sarmiento, fazer compras nas charmosas lojas do bairro Nueva Córdoba, visitar as estâncias jesuíticas vizinhas ou mesmo fazer algum programa cultural.
Afinal, só de museus são 35 instituições, além de constante programação teatral e musical. “Outra riqueza é nossa comida. Possuímos oito áreas gastronômicas”, conta a diretora de Turismo da cidade.
Arte cordobesa: Paseo de las Artes e Museu Ibero Americano de Artesanías
Se os sabores em Córdoba são múltiplos, a expressão artística também.
Um dos principais atrativos é a feira Paseo de las Artes. Ela acontece todos os sábados e domingos, a partir do fim da tarde, no charmoso bairro Güemes, entre a Pasaje Revol e as margens da La Cañada, rodeada por frondosas árvores.
Importantes artesãos cordobeses, alguns premiados internacionalmente, expõem seus produtos ao grande público. No meio das barraquinhas, estudantes vendem os gostosos pães rellenos, de sabores variados — o de salame é delicioso.
Sempre ao fim da feira, para a alegria de todos, acontecem shows musicais de forma espontânea, nos quais o público contribui com quanto quiser, no esquema “passagem de chapéu”.
Ao lado da feira fica o Museu Iberoamericano de Artesanías, na esquina de ruas Belgrano e Achával Rodríguez (tel. +54 351 433-4283).
O espaço, num casarão histórico, possui importante coleção com mais de 250 obras de distintos artistas latino-americanos, incluindo aí do Brasil.
Obras vindas de lugares como Chile, Bolívia, Nicarágua e Porto Rico estão no salão do museu, que se orgulha de ter forte relacionamento com os artesãos em seu entorno.
“Tudo o que o visitante vê, inclusive a feira, com seus artesãos e seu público, integra o museu. Entendemos museu como um espaço vivo e que interage o tempo todo com a comunidade no seu entorno”, diz a simpática diretora do espaço, a museóloga Mónica Labrador López, enquanto descortina as peças mais importantes do lugar.
Prova desta relação íntima com os artesãos é Feira Internacional de Artesanías, que o museu realiza todos os anos na Semana Santa e da qual participam artesãos de mais de 25 países.
O museu também realiza oficinas de capacitação e artísticas em suas instalações.
Córdoba tem imponente passado histórico
Quem está em busca de passado histórico deve rumar para o centro da cidade. É lá que ficam os principais prédios do período da colonização jesuítica em Córdoba.
Tudo começa pela Catedral de Córdoba, localizada em frente à Plaza San Martín, marco zero da cidade, e cuja construção começou em 1684 e durou cem anos; daí a variedade estilística presente no prédio monumental.
Ao lado da Catedral está o Cabildo Histórico de Córdoba, que foi sede da Polícia Provincial durante boa parte do século passado, incluindo aí os sangrentos anos da ditadura militar argentina (1976-1983).
No Cabildo funciona o Posto de Informações Turísticas (tel. +54 351 434-1200), onde é possível pegar mapas da cidade, programação cultural e se informar sobre visitas guiadas gratuitas, como a que refaz o caminho do Papa Francisco na cidade, em seus tempos de estudos na Irmandade dos Jesuítas. Os visitantes conhecem até o quarto onde Jorge Bergoglio dormia em Córdoba.
Nos fundos do Cabildo, está o Arquivo Provincial de la Memória, que remete aos presos políticos no espaço que abrigou um centro clandestino de detenção política bem ao lado da Catedral. É possível visitar celas e catacumbas, onde jovens estudantes foram brutalmente torturados e mortos pelos militares. É um espaço de respeito e de preservação da memória para que o horror não volte a se repetir.
Uma boa opção de passeio para quem quer ter uma visão básica da cidade é pegar o ônibus turístico Bus Inglês, com cadeiras ao ar livre e que recorre os principais pontos da cidade em seu City Tour. Uma atenciosa guia conta em detalhes todos os pontos turísticos visitados.
Bem perto dali, seguindo pela rua de pedestres Obispo Trejo, fica a manzana jesuítica (quarteirão jesuíta), onde está a Iglesia de la Companhia de Jesus, eleita Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Na esquina de Obispo Trejo e Caseros, o imponente prédio tem construção datada de 1650. Grossos muros de pedra chamam a atenção bem como seu rico interior coberto de muito ouro. Ao lado, na rua Caseros, está a Capilla Doméstica (Capela doméstica), construída entre 1666 e 1667, como capela privada dos jesuítas e onde o Papa Francisco, quando morou ali, gostava de rezar.
Ao lado do Templo da Companhia de Jesus está a Universidade Nacional de Córdoba, berço da elite intelecutal local e onde estão livros raros em sua importante biblioteca, que pode ser conferida em visita guiada (tel. +54 351 433-2075). Também no mesmo quarteirão, está o Colégio Nacional de Montserrat, fundado em 1687 e a Faculdade de Direito, ambos movimentados com seus estudantes.
Arte e fé: Museu de Arte Religioso Juan de Tejeda
Uma joia histórica está incrustada entre a Catedral de Córdoba e a Manzana Jesuítica. Mais precisamente, na calle Independencia, 122, fica o Museu de Arte Religioso Juan de Tejeda (tel. +54 351 428-1540). Ele está localizado no monastério das irmãs Carmelitas Descalças, bem ao lado da Iglesia de Santa Teresa, pertencente à irmandade.
Bem na porta do museu, dando boas vindas aos visitantes está a aposentada cordobesa Laura Aranda, de 70 anos. Ela diz que escolheu ser voluntária no museu porque gosta muito de unir histórico, antigo e religioso em um mesmo lugar. “É um lugar de paz”, define.
Entrar no lugar é conhecer a profundeza daquele mundo que separava o claustro da vida lá fora. Com mais de duas centenas de peças religiosas produzidas desde o século 16 até os dias atuais, o museu vai além do olhar religioso. Apresenta uma mirada intelectual para seu acervo, seja no modo de dispor as obras, seja na própria apresentação das mesmas. Este é o ponto forte do lugar.
“O fiel pode recorrer o museu e interpretar o acervo com base em sua fé. Contudo, também é possível ver as obras fora de uma dimensão religiosa, a partir de um olhar histórico e social, mais questionador”, diz a elegante diretora do museu, a museóloga Celina Hafford. Para ela, a função do espaço é apresentar “mais perguntas do que oferecer respostas”.
Uma curiosidade: muitas obras de arte do museu, como também de outros lugares de Córdoba, estão escurecendo irremediavelmente. O motivo? Um arcebispo na década de 1960 resolveu passar cera de abelha nos quadros, para deixá-los brilhantes, em uma restauração mal feita. Contudo, com o passar do tempo, a química presente na cera de abelha escurece as obras até apagarem todos os traços por completo. Portanto, corra para vê-las enquanto ainda é possível.
Parque Sarmiento e arredores
Além de tudo isso, um dos passeios preferidos pelos cordobeses é ir em um dia ensolarado ao Parque Sarmiento.
Lá estão o zoológico, a piscina olímpica municipal, o Centro Cultural Córdoba, o Museu de Belas Artes Emilio Caraffa e as barraquinhas que vendem o tradicional choripan (pão com linguiça), que em Córdoba traz uma variedade de acompanhamentos para os mais gulosos.
Nos arredores de Córdoba, estão seis estâncias jesuíticas construídas entre os séculos 17 e 18 e que podem ser visitadas em excursões contratadas nas agências de turismo da cidade.
Pertinho também fica a cidade de Cosquín, onde acontece o mais tradicional festival musical argentino, e a Villa Carlos Paz, um balneário à beira do lago San Roque e com agitada vida cultural, sobretudo teatral.
Onde ficar em Córdoba, Argentina
Holiday Inn Hotel Córdoba
(esquina de Frey Luis Beltrán y M. Cardeñosa, bairro Poeta Lugones, Córdoba, Argentina, tel. +54 351 477-9156)
A apenas dez minutos do Aeroporto Internacional de Córdoba, no charmoso e pacato bairro de Poeta Lugones, o hotel garante conforto e comodidade ao hóspede. Tem um equipe bem treinada e atenciosa com qualquer demanda do visitante. Os quartos são espaçosos, com camas confortáveis e banheiros impecáveis. Algumas suítes levam o nome de estâncias jesuíticas históricas localizadas na Província de Córdoba. O café da manhã é farto e cheio de gostosuras. O hotel ainda oferece piscina, sala de massagens, sala de ginástica, sauna e sala de recreação para as crianças.
Reportagem especial de Miguel Arcanjo Prado, enviado especial a Córdoba, Argentina.
O jornalista viajou com apoio do setor de Turismo da Municipalidad de Córdoba e do Holiday Inn Hotel Córdoba. Reportagem publicada originalmente em 2015. Colaborou Juan Manuel Tellategui.
Siga @miguel.arcanjo
Siga @miguel.arcanjo
Ouça Arcanjo Pod
Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
© Blog do Arcanjo – Cultura e Entretenimento por Miguel Arcanjo Prado | Todos os direitos reservados.