Os Armazéns na Cidade, A Cidade nos Armazéns faz registro histórico dos secos e molhados em Curitiba
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Colaborou Tiago Lira
Houve um tempo, não muito distante, em que, para comprar qualquer coisa, era preciso recorrer ao armazém de secos e molhados do bairro. Lá você encontrava desde um remédio para dor de cabeça até uma agulha de costura, passando por um quilo de feijão ou de café, além, é claro, de uma boa garrafa de vinho ou cerveja. Como era um tempo de gente de palavra, em alguns, era possível anotar a compra na caderneta, para pagar no fim do mês. Pois olha só que beleza. Em tempos tão desmemoriados, a rica história desses lugares na cidade de Curitiba, capital do Paraná, agora está devidamente eternizada no livro Os Armazéns na Cidade, A Cidade nos Armazéns, de autoria da arquiteta Cleusa de Castro e do jornalista Sandro Moser, com organização da arquiteta Thais Glowacki e fotos de Gilson Camargo. A verdadeira pérola cultural ganha lançamento nesta terça, 21 de maio, às 18h, na Mercearia Fantinato, em Curitiba, onde o livro terá distribuição gratuita de 100 exemplares — o restante será vendido a R$ 50. O tomo mergulha na história e na arquitetura dos antigos armazéns de Curitiba, como também das famílias proprietárias e das pessoas que os frequentavam, em um excelente retrato nostálgico de um tempo que se foi. Como ninguém faz nada sem apoio, o livro foi viabilizado com recursos do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura da Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba, com apoios da CAT, Pesa, Grupo BRT, Kirsten – Painéis Elétricos e Sigma Telecom. A realização é da Transpira – Engenharia Cultural. Momentos antes do lançamento, o Blog do Arcanjo conversou com exclusividade com o coautor Sandro Moser, um dos grandes intelectuais curitibanos, sobre o projeto. Leia a entrevista a seguir.
Blog do Arcanjo – Como surgiu a ideia do livro?
Sandro Moser – A ideia foi mostrar não só a questão do patrimônio histórico material, que são as peças arquitetônicas que abrigavam os armazéns de secos e molhados e seus respectivos tipos arquitetônicos, como também focar no patrimônio imaterial, que são a história das famílias, das pessoas, das gerações que passaram e transmitiram seus saberes para as outras, e de uma espécie de ensaio, uma etnografia meio naíf que eu fiz, mostrando como é que funcionava a sociabilidade tendo esses armazéns de secos e molhados como referências nos bairros. Eles eram os locais que recebiam as correspondências, eles eram os locais onde as pessoas se encontravam e onde, claro, todas as famílias compravam tudo que precisavam. Do caderno da criança a uma ratoeira, da comida, do feijão e arroz do dia a dia, as conservas e charcutaria que eram produzidas nos próprios locais. Então, é uma história muito rica desses ambientes, tanto arquitetonicamente, a questão material, como socialmente, na memória social da cidade, no patrimônio imaterial de Curitiba.
Blog do Arcanjo – Como foi do surgimento da ideia até ver o livro agora lançado?
Sandro Moser – Então assim surgiu, eu e a Thais Glowacki tivemos uma ideia de fazer, ampliar o projeto original que era os armazéns na cidade para mais ou menos fazer o contra-plongée, inverter a perspectiva, mostrar também a cidade nos armazéns, que são como as pessoas, as famílias, que eram as donas desses armazéns, viram a cidade se transformar e elas mesmos foram agentes dessa transformação, como os usos e costumes também da sociabilidade urbana foram mudando. Lá em 2020, bem durante a pandemia, eu e ela tivemos a ideia de transformar isso num livro, propusemos um projeto, um edital da Lei de Incentivo aqui de Curitiba, que por sorte foi aprovado. Aí a gente conseguiu fazer. O livro foi feito por muitas mãos talentosas, uma equipe muito legal. Jaime Silveira na direção de arte, o Gilson Camargo ali nas imagens, o Jonas Prates como editor e os textos meus e da Cleusa de Castro, tudo organizado pela Thais Glovacki.
Blog do Arcanjo – Todo livro tem seu próprio tempo para surgir, não é mesmo?
Sandro Moser – O livro demorou alguns anos para sair, porque ele foi gestado em alguns momentos diferentes. Primeiro surgiu como um trabalho, uma pesquisa arquitetônica das arquitetas Cleusa de Castro e Thais Glovac, quando elas ainda eram professora e aluna. Aí, anos depois, agora Thais já ela mesmo professora, morando em Moçambique, na África, trabalhando com arquitetura e tal, a gente lembrou desse trabalho que elas fizeram, que era um trabalho de reconhecer a importância da arquitetura do povo, a arquitetura chamada vernacular, é essa que compõe as cidades, sabe, que são as casas simples, os comércios antigos, não a arquitetura feita para os grandes escritórios ou os grandes projetos. Mas essa arquitetura popular, vernacular. E os armazéns de secos e molhados são os principais exemplos em todas as cidades brasileiras deste tipo de arquitetura. Assim, elas fizeram esse trabalho de identificação dos tipos arquitetônicos, das famílias tipológicas desses armazéns 10 anos atrás, e eu peguei esse material e reli e pensei: ‘Pôxa, isso daria um super livro, se a gente fizesse o contrário… o contrário não, mas se a gente ampliasse isso aqui para olhar não só como os armazéns estavam na cidade, como essas peças estavam implantadas na paisagem urbana e criando a cara da cidade, e também como que a cidade podia olhar para eles, ou como que de dentro deles você olhava para a cidade, melhor dizendo.
Blog do Arcanjo – Qual a importância em se fazer um registro como esse?
Sandro Moser – A importância desse livro é fazer esse registro, esse recorte de alguns aspectos tanto arquitetônicos quanto históricos sociais desses estabelecimentos, desses espaços de sociabilidade, de troca e de transmissão de conhecimento e, lógico, de comércio. E mostrar um pouco a relação de como eram os hábitos de consumo, os usos e costumes na era dos armazéns e como tem sido hoje, talvez trazendo até uma lição final, que tem algumas coisas que a gente faz hoje que talvez a gente pudesse olhar para trás, para essa época dos armazéns de secos e molhados, e repensar a maneira como a gente consome, como a gente se relaciona. Sobretudo em relação a essa impessoalidade dos dias atuais. Tem algumas questões também, políticas, que a gente traz no final aí, em uma proposta de reflexão.
Lançamento do livro
Armazéns na Cidade, a Cidade nos Armazéns
de Cleusa de Castro e Sandro Moser
Onde: Mercearia Fantinato – Rua Mateus Leme, 2553, São Lourenço, Curitiba – Paraná
Quando: terça-feira 21/05/2024, 18h
Quanto: Entrada grátis, distribuição gratuita de 100 exemplares (o restante será vendido a R$ 50), classificação livre
Os Armazéns na Cidade, a Cidade nos Armazéns
O livro Os Armazéns na Cidade, A Cidade nos Armazéns é dividido em duas partes. Na primeira, Os Armazéns na Cidade, a arquiteta Cleusa de Castro faz uma análise dos armazéns remanescentes em Curitiba, examinando suas características arquitetônicas únicas com foco no patrimônio material. “O livro permite sensibilizar um público mais amplo para a importância da preservação do patrimônio cultural que consolida a representação da história e da cultura de um lugar. E propõe ainda um esgarçamento dos limites definidores do que pode ser considerado patrimônio, apresentando os Antigos Armazéns de Secos e Molhados, que são edifícios de caráter arquitetônico não erudito e esteticamente não tão interessantes, como relevantes do ponto de vista dos significados que carregam na história e cultura de um lugar”, explica Cleusa. Já na segunda parte do livro, A Cidade nos Armazéns, o olhar do jornalista Sandro Moser captura o fluxo da memória coletiva, revela as histórias das pessoas e acontecimentos que se desenrolaram porta adentro desses espaços comerciais e das circunstâncias sociais, econômicas e políticas que influenciaram o desenrolar da história. “Nós tínhamos um conjunto de questões sobre os armazéns que gostaríamos de cobrir, como a cultura do fiado, a transmissão de saberes entre gerações, a ressignificação dos espaços e a relação com a comunidade vizinha. Nossa ideia nunca foi fazer um grande e definitivo levantamento dos armazéns, mas falar dos temas que queríamos a partir das pessoas que tinham o que falar”, diz Moser. Para a organizadora e idealizadora do projeto, Thais Glowacki, hoje vivemos em um tempo em que esquecemos as tradições de muitos séculos e as ruínas urbanas nos lembram dos modos de vida passados: “Sem apelar ao saudosismo, entendemos que a salvaguarda desses testemunhos da história cotidiana ajuda a manter viva uma parte da identidade da cidade, servindo como ponte entre tempos distintos e fonte da nossa trajetória coletiva”, conclui.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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