★★★★★ Crítica: Visitando o Sr. Green revigora clássico e desconstrói preconceito

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
★★★★★
VISITANDO O SR. GREN
Avaliação: Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Como pode alguém que foi vítima de um terrível e histórico preconceito no passado incorporar depois um pensamento preconceituoso e que aparta e condena o diferente a partir de velhas ideias arraigadas? É possível desconstruir isso? Pelo jeito, mais vale o diálogo amoroso do que o enfrentamento bélico. Pelo menos, é o que nos ensina um dos melhores textos produzidos no teatro mundial nas últimas décadas e que comprova estar mais atual do que nunca em tempos de levante do conservadorismo e dos discursos de ódio: Vistando o Sr. Green, peça que pode ser vista em São Paulo, no Teatro Renaissance, em sua terceira encenação brasileira que revigora o clássico e desconstrói preconceito. A ótima nova montagem sob a direção sensível e moderna de Guilherme Piva traz as excelentes performances de Elias Andreato e Johnny Massaro sob produção de Edgard Jordão e Rodrigo Piva. Compre seu ingresso.

A obra chegou ao Teatro Renaissance sob fortes aplausos no último fim de semana. Na plateia, estiveram nomes como a jornalista e atriz Marília Gabriela, as atrizes Bruna Marquezine e Alessandra Negrini e a cantora Marina Sena, além de grandes personalidades das artes cênicas [veja galeria de fotos ao fim deste texto].

Não era pra menos. A peça traz o peso de uma história que atravessa gerações e culturas e que, no Brasil, já teve interpretações consagradoras de nomes como Paulo Autran e Cassio Scapin, na primeira versão dirigida por Elias Andreato no começo deste século, e Sérgio Mamberti e Ricardo Gelli na segunda versão dirigida por Cassio Scapin. Todas excelentes.

Aula de dramaturgia
O enredo de Visitando o Sr. Green é uma aula de dramaturgia do escritor estadunidense Jeff Baron. Trata-se de uma comédia que se transmuta em drama, convidado o público a refletir sobre amizade, solidão, etarismo, homofobia e diferenças geracionais, enquanto quebra velhos preconceitos e dogmas, promevendo a aceitação do outro.

É impressionante como o texto que estreou em Nova York em 1996, encenado depois em 50 países e 26 línguas em mais de 500 montagens, segue atualíssimo. E a nova encenação brasileira rejuvenesce ainda mais a peça, o que é fruto de seu talentoso e afinado time criativo, com destaque para os atores em sintonia no palco.

Encontro marcado
A trama gira em torno do inesperado encontro entre Ross (Johnny Massaro), um jovem executivo de 29 anos, e o Sr. Green (Elias Andrato), um idoso judeu ortodoxo de 86 anos, no apartamento do segundo, cenário da comédia dramática.
O que começa como um relacionamento forçado, resultado de um acidente de trânsito, rapidamente se transforma em um estudo profundo sobre as barreiras que separam as gerações e as culturas.
Baron equilibra em doses precisas humor e emoção, levando o público por um passeio que vai do desconforto inicial à empatia, fruto de uma necessidade de entendimento mútuo.

Em um mundo cada vez mais dividido pelo ódio e intolerância, Visitando o Sr. Green é uma aula de paz e conciliação. Afinal, o outro só é o outro porque é diferente de mim. Isso precisa ser a chave do respeito e da convivência social.
A grande chave do texto é explorar e desconstruir alguém que foi vítima de preconceito histórico no passado e que repete tal tipo de pensamento obtuso que condena e demoniza o outro, sem perceber que isso só gera infelicidade.

Atuações brilhantes
Os dois atores de Visitando o Sr. Green presenteiam o público com atuações brilhantes.

Diretor da primeira versão da peça no Brasil, Elias Andreato agora assume o papel do Sr. Green e mostra mais uma vez o grande ator que é. Hábil conhecedor da peça, ele confere ao seu personagem uma profundidade emocional, sem perder a leveza típica de suas atuações, fruto de seu farto carisma como ator, conquistando o público de forma magistral, como também fizeram Paulo Autran e Sérgio Mamberti, cada qual com seu estilo e talento mais que comprovado.

Johnny Massaro constrói um Ross mais solto e verdadeiro com o que é. Seu personagem tem uma atitude bem constestatória do que as versões de Cássio Scapin e Ricardo Gelli, que iam por um caminho de maior sutileza e comedimento. Agora, Ross é mais seguro de si tal qual as novas gerações, criando uma representação desta cheia de uma energia que ressalta que seu personagem já tirou das costas a culpa que jamais deveria ter existido.
A química entre os dois atores é palpável, e o jogo cênico revela um espectro de emoções, que vão da hostilidade à construção de uma amizade genuína por meio do entendimento mútuo.

Direção sensível
Guilherme Piva se destaca mais uma vez como diretor — ele tem demonstrado ser um dos mehores diretores na atualidade, sobretudo no teatro dramático —, com uma visão sutil e também atenta ao contemporâneo, como demostra a ótima trilha sonora jovem hebraica pop à la auto-tune que escolheu. Sua encenação explora com sensibilidade as diferenças entre os personagens e seus conflitos, dando o peso preciso tanto ao drama quanto à comédia que a peça abriga. E constrói um jogo dinâmico – é impressionante como os 90 minutos da peça passam num piscar de olhos.
O frescor da peça também é fruto da nova tradução de Gustavo Pinheiro, outro que vem se destacando na dramaturgia contemporâea. Com foco nas sutilezas do texto original, faz com que as piadas e momentos dramáticos se conectem à brasilidade.

Criativo afinado
O cenário de Chris Aizner é mais moderno que o das encenações anteriores, sem deixar de apresentar a casa do Sr. Green como um espaço antiquado que parou no tempo, assim como muitas de suas ideias. O janelão com o grande letreiro ‘Delicatessen’ típico nova-iorquino é um charme. A luz de Maneco Quinderé cria de forma precisa os contrastes que dialogam com os sentimentos e propostas de cada cena, contribuindo para elevá-las.
Karen Brusttolin não economiza nos figurinos, misturando a sobriedade clássica do antigo às propostas mais arrojadas do novo. Enquanto Sr. Green veste roupas que refletem suas tradições e arraigada identidade cultural, Ross é apresentado em trajes contemporâneos e de caimento que dialogam com a juventude atual. Isso reforça o choque geracional e reflete como os dois personagens enxergam a vida. Afinal, a moda é um espelho da alma.

Universal e raro
“Visitando o Sr. Green” mais uma vez se comprova com um dos grandes textos do teatro contemporâneo, tornando o teatro um veículo de transformação e conciliação. É uma peça que merece ser vista e revista por diferentes gerações, dona de uma universalidade rara. Porque no fundo, o que importa mesmo é que, independentemente de nossas diferenças, todos compartilhamos a mesma humanidade. E a gente só cresce nesta vida quando aceita e respeita a individualidade do outro, que só é outro porque é diferente de nós. Chega de sermos Narcisos e olharmos apenas o próprio espelho. Abrir os olhos à diversidade é a grande beleza e lição deste maravilhoso espetáculo.
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VISITANDO O SR. GREN
Avaliação: Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
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Visitando o Sr. Green
Ficha Técnica
Elenco – Elias Andreato e Johnny Massaro
Texto – Jeff Baron
Direção – Guilherme Piva
Tradução – Gustavo Pinheiro
Designer de luz – Maneco Quinderé
Assistente de luz – André Pierre
Cenário – Chris Aizner
Figurino – Karen Brusttolin
Assistente de figurino – Maria Luisa
Trilha Sonora – Guilherme Piva
Programação visual – Alexandre Furtado
Marketing Cultural – Gheu Tibério
Assistente de marketing Cultural – Paula Rego
Fotos – Nana Moraes
Visagismo Fotos – Fernando Ocazione
Administrativo – Ana Velloso
Operador de luz – Bruno Rocha
Camareiro – Mazinho
Contrarregra – Rodrigo Felix
Assistente de Produção – Raí Nonato
Cenotécnico e equipe – Marcos Santos
Produção Geral – Edgard Jordão e Rodrigo Piva
Assessoria de imprensa: Alan Diniz – Xavante Comunicação
Realização – Jordão Produções
SERVIÇO
Estreia: 18 de Janeiro a 20 de abril de 2025
Local: Teatro Renaissance – Alameda Santos, 2233 – Jardim Paulista, São Paulo
Horários: Sábados: 21h, Domingo: 19h30 (em Janeiro) /19h (a partir de fevereiro)
Preços: R$ 150,00 (inteira) /R$ 75,00 (meia)
Link ingressos online
Classificação indicativa: 10 anos
Duração: 90 min
Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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