★★★★ Crítica: Dois Papas une elenco talentoso em peça sofisticada que humaniza ícones do Vaticano
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
★★★★
DOIS PAPAS
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Sex e sáb, 20h, dom, 18h. Até 27/4/2025
Sesc Santo Amaro, SP – Compre seu ingresso!
Tem horas na vida que todo mundo só quer paz. Esse parece ser o sonho de dois grandes religiosos, mas que apenas um vai concretizá-lo em Dois Papas, peça em cartaz no Sesc Santo Amaro, em São Paulo, e um dos grandes dramas do ano, sob produção da Gengibre Multimídia e Zug Produções.
A dramaturgia fictícia, mas não improvável, do neo-zelandês Anthony McCarten, que originou o filme homônimo dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles com os astros britânicos Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, agora ganha versão teatral brasileira. Esta é habilmente dirigida por Munir Kanaan, também idealizador do projeto ao lado de Rafa Steinhauser. A peça conta com dois astros dos palcos nacionais, Zécarlos Machado, como o Papa Bento XVI e antigo Cardeal Ratzinger, e Celso Frateschi como o Cardeal Bergoglio, o futuro Papa Francisco, o primeiro papa jesuíta.
A obra ainda traz participações formidáveis da excelente Eliana Guttman, como Irmã Brigitta, fiel escudeira do papa alemão, e Carol Godoy, a jovem Irmã Sofia, assistente do papa argentino e que revela um passado familiar de opressão pela cruel ditadura no país vizinho.
A peça se divide em três atos, os dois primeiros são um esmiuçado prólogo, um do papa alemão com a freira que lhe é uma velha amiga, e outro do futuro papa argentino com a jovem freira. Estes servem para apresentar as personalidades e o desejo de aposentadoria e volta às origens de ambos, cansados das responsabilidades com o Vaticano. Já o terceiro ato traz o esperado encontro entre os dois papas: o atual e o futuro, no qual vão precisar encontrar um denominador em comum.
Elenco talentoso
Além de um texto inteligente, incluindo aí o diálogo político que tece crítica ao autoritarismo e apresenta avanços sociais que precisam ser observados pela Igreja Católica, o espetáculo tem como trunfo o trabalho de seus atores. Zécarlos Machado e Celso Frateschi estão excelentes, cada qual apresentando seu papa de forma crível e com atmosferas próprias, Bento XVI mais sisudo e pragmático, e Francisco mais carismático e solar.
As atrizes que fazem as freiras, Eliana Guttman e Carol Godoy, que também assina a supervisão de produção, servem de contraponto para os pensamentos dos sacerdotes e também acabam sendo uma alegoria da visão de mundo de ambos.
É preciso ressaltar que Eliana Guttman é uma atriz simplesmente formidável e que constrói com maestria o alívio de comicidade que suaviza o drama.
Criativo sofisticado
O diretor Munir Kanaan, que conta com assistência de Gustavo Trestini, aposta em uma encenação sofisticada e contemporânea, de fino apuro estético, colocando um clássico drama em uma arquitetura cenográfica pós dramática clean, criada por Eric Lenate, com direção de imagem e videomapping de André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo), em diálogo que mostra-se interessante.
A habilidosa iluminação de Beto Bruel faz jus ao nome que este grande profissional conquistou no teatro brasileiro: é inteligente e instigante, fazendo os contrapontos necessários para que os momentos cruciais do texto cresçam.
Os figurinos de Carol Roz estão exuberantes ao trazer o melhor da secular vestimenta religiosa e à altura dos dois papas, somados ao visagismo competente de Anderson Bueno, profissional que consegue entender o âmago de cada peça em que trabalha.
Outro charme à parte deste espetáculo é a trilha e design de som de Dan Maia, capaz de colocar até Abba nas alturas para o futuro Papa Francisco.
A paz como meta
O conflito de Dois Papas está no drama dos dois religiosos: após décadas de trabalho, eles desejam respirar um pouco, e ir ao encontro de suas origens e rever, já sob a ótica da experiência, questões do começo de suas vidas, quando esta já se encontra naquilo que parece ser o último ato.
Contudo, as responsabilidades alcançadas tanto por Ratzinger-Bento XVI quanto por Bergoglio-Francisco os impedem de parar.
Esta é a grande questão deste espetáculo: será que muitos de nós não nos infligimos demasiadas responsabilidades que nos aprisionam e nos tiram a paz?
Entretanto, sempre é possível dizer não para o mundo exterior para que o sim consigo mesmo prevaleça. E é a partir de tal ato de coragem que pode habitar a paz e o merecido sossego das coisas simples da vida.
Esta, talvez, seja a maior conquista de sucesso de qualquer ser humano.
★★★★
DOIS PAPAS
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Sex e sáb, 20h, dom, 18h. Até 27/4/2025
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Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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