★★★★ Crítica: Tebas Land exala humanidade em encontro genuíno que exorciza traumas

Otto Jr. e Robson Torinni celebram sucesso de Tebas Land no Teatro Vivo em SP © Rafa Marques Blog do Arcanjo 2025

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

★★★
TEBAS LAND
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Terça e quarta, 20h. Até 28/5/2025
Teatro Vivo SP – Compre seu ingresso!

A relação entre filho e pai muitas vezes é marcada por uma boa dose de traumas, sobretudo quando o filho não é aquele que pai sonhou ter ou vice-versa. Atitudes e palavras ferem para sempre e até mesmo podem chegar ao cúmulo de extirpar um vida. No espetáculo de sucesso Tebas Land, que volta ao cartaz em São Paulo no Teatro Vivo às terças e quartas, 20h, e com ingressos na Sympla, o dramaturgo uruguaio radicado na França Sergio Blanco [leia entrevista com ele ao fim] usa essa decepção que chega ao limite da violência do parricídio, que é quando o filho mata o pai, como pano de fundo de seu enredo. Entretanto, seu foco está no encontro entre dois homens que habitam diferentes mundos, mas que se aproximam e ganham a empatia um do outro. Um dramaturgo e diretor teatral se aproxima de um parricida condenado em uma quadra de basquete da penintenciária, onde o artista busca na vida real elementos para a história que pretende encenar no palco. Usando a metalinguagem e tensionando os limites entre o real e o ficcional, a peça mostra também, de modo paralelo, o encenador às voltas do ensaio da peça a partir do material recolhido na cadeia, agora com um ator profissional contratado no papel do assassino. Escrita durante uma semana em 2012, a peça fez sucesso a partir de 2013 no Uruguai sob direção do próprio Sergio Blanco — esta montagem foi vista por este crítico em 2016 no 25º Festival de Curitiba. Depois. Logo depois, a peça chegou também à Argentina sob direção de Corina Fiorillo. No Brasil, ganhou encenação em 2018, pelas mãos do argentino radicado no Rio de Janeiro Victor García Peralta, diretor de sucessos arrebatadores como Os Homens São de Marte… E É Pra Lá Que Eu Vou com Mônica Martelli. Em cena, o intenso Robson Torinni, que idealizou o projeto ao lado do diretor, vive o parricida Martín e também o ator que o interpreta na peça dentro da peça. Já o sofisticado Otto Jr. vive o dramaturgo S., alterego do próprio Sergio Blanco, no papel que lhe rendeu o Prêmio Shell de Melhor Ator. Sabiamente, a direção se concentra na potência do texto e no embate entre os dois atores no palco. Otto e Robson entregam camadas distintas tais quais seus personagens. A peça desafia o público a enxergar por novas perspectivas um fato condenável, mostrando que todas as histórias têm múltiplos lados e que a vida é multifacetada. A obra ainda reflete sobre a própria criação artística e as intricadas relações humanas. Sergio Blanco, com sua habilidade de mesclar realidade e ficção, nos convida a olhar para dentro de nós mesmos e questionar as narrativas que construímos, tanto na arte quanto na vida. Com atuações impactantes e uma história que prende o público, a peça se destaca como uma obra relevante e provocativa, que ecoa para além do palco. Tebas Land é uma lição da empatia que pode ser gestada a partir do encontro genuíno entre duas pessoas diferentes a partir do elo da humanidade mútua. E é nesta complementariedade que ambas buscam exorcizar seus velhos traumas.

★★★
TEBAS LAND
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Terça e quarta, 20h. Até 28/5/2025
Teatro Vivo SP – Compre seu ingresso!

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Entrevista com Sergio Blanco

O dramaturgo uruguaio Sergio Blanco – Foto: Divulgação Arquivo Blog do Arcanjo

Abaixo, leia trechos da entrevista que Sergio Blanco concedeu ao jornalista Miguel Arcanjo Prado em 24 de março de 2016, quando sua peça Tebas Land se apresentou no 25º Festival de Curitiba.

MIGUEL ARCANJO PRADO – Como foi o processo de criação de Tebas Land?
SERGIO BLANCO –
A peça Tebas Land foi escrita em 2012 em Paris, que é a cidade onde vivo, logo foi ensaiada e estreada em 2013 em Montevidéu, com dois atores uruguaios extraordinários, que são Gustavo Saffores e Bruno Pereyra. Essa encenação que foi dirigida por mim teve um grande êxito tanto no Uruguai quanto no estrangeiro. Desde então, não parei de viajar pela América Latina e Europa. Essa encenação que poderá ser vista em Curitiba. O processo de escritura de Tebas Land foi muito rápido. É uma peça que escrevi em uma semana. Uma manhã, bem cedo, quando saía a trabalhar na Universidade, vi debaixo de uma estação de metrô, uma quadra de basquete toda gradeada e, em seguida, pensei que seria interessante escrever uma peça de teatro que se sucedesse nesse lugar. Recordo que nem bem subi ao metrô, tirei meu caderno de notas e comecei a desenhar o dispositivo. Por isso sempre digo que Tebas Land é uma peça que comecei desenhando. Poucos meses depois, reuni minha equipe de trabalho, convoquei os atores que já havia visto atuar e em um mês e meio a ensaiamos. O tempo de ensaios foi lindo. Eu havia pedido à produção para ensaiar de manhã bem cedo, então começávamos às 8 da manhã. Eu queria que todos chegássemos ao ensaio recém-despertos, com nossas cabeças, nossos corpos e nossas emoções sem nenhuma contaminação diurna. Eu os esperava, nos sentávamos em torno de uma mesa que havia na sala de ensaio, tomávamos café da manhã e, pouco a pouco, começávamos a levantar a peça. Dessa maneira e com muita delicadeza, minhas palavras foram buscando a carne deles dois. Por isso mesmo, quando editei Tebas Land, decidi dedicar o livro a eles dois com a seguinte dedicatória: “A Bruno Pereyra e Gustavo Saffores por ser a carne que estas palavras encontraram…” Tanto Gustavo quanto Bruno são dois atores imensos, inteligentes, sensíveis, lindos. Todas as manhãs eu me sentia tão feliz olhando a eles dois ali, diante de mim. Logo a obra começou a ser traduzida a outras línguas e então estreou na Alemanha. E agora em poucos dias se estreará na França. E em uns meses na Espanha. E no Chile. E no México. E então aquela quadra e basquete que parei para olhar uma manhã, agora anda por todos os lados. É estranho.

MIGUEL ARCANJO PRADO – A obra iria estrear no Teatro San Martín de Buenos Aires… Qual sua relação com o teatro portenho?
SERGIO BLANCO –
A obra estreou em Montevidéu. No começo ia estrear no Teatro San Martín de Buenos Aires. De fato, eu escrevi para eles. A pedido deles. Mas de repente cortaram toda a comunicação comigo e não me responderam mais. Primeiro, antes de que escrevesse Tebas Land, eles me haviam pedido um projeto. Então eu escrevi uma peça que se chama O Salto de Darwin. É um texto que fala do tema da guerra das Ilhas Malvinas. Me falaram que sim, começaram a trabalhar com a produção e um dia me chamaram para dizer-me que finalmente não poderiam fazer a peça. Nesse momento, me pediram que lhes apresentasse outro projeto. E então foi aí que lhes escrevi Tebas Land. Me falaram que sim. E de repente não me responderam mais. Foi tudo muito estranho. Ao fim, decidi estreá-la em Montevidéu… O teatro portenho é uma maravilha. Eu adoro. Há Mestres. Há grandes nomes como Mauricio Kartún, Ricardo Bartís, Alejandro Tantanian, Lola Arias, Rafel Spregelburd… E, ademais, são todos tão generosos. Em Buenos Aires há também gente como Jorge Dubatti, que creio que junto ao espanhol José Luis García Barrientos são dois dos pensadores mais importantes que tem atualmente o teatro em língua espanhola.

MIGUEL ARCANJO PRADO – Quando você era criança, o que passava por sua cabeça quando escutava a palavra Brasil?
SERGIO BLANCO –
A pornografia. Brasil era para mim o lugar de onde vinham as revistas pornográficas que comprávamos clandestinamente com meus amigos de adolescência quando tinha 11 ou 12 anos. O outro com que vinculava o Brasil era com o contrabando, porque íamos na fronteira com o Brasil e comprávamos tudo muito barato e trazíamos escondidos para que os guardas da fronteira não vissem. Aquilo era maravilhoso: trazíamos chocolates, palmitos, maionese, bananada e tudo escondido e dissimulado. Isto é dizer que na minha infância e adolescência Brasil era uma palavra ligada ao oculto, ao clandestino, ao que se esconde. E isso durou até que um dia, também durante a adolescência, li Clarice Lispector… E então Brasil começou a ter seu rosto para mim.

MIGUEL ARCANJO PRADO – Por que você escolheu viver na França?
SERGIO BLANCO –
Desde criança nunca gostei da língua espanhola, que é minha língua materna. Queria escolher outra língua. Sentia que o espanhol me havia escolhido a mim e o que eu queria era poder escolher uma língua. E então escolhi o francês, que eu sempre digo que é minha língua paterna. Estudei essa língua desde criança. À medida que ia crescendo, também iam crescendo em mim a vontade de vir viver no território dessa língua. Aos 18 anos, dirigi em Montevidéu uma encenação de Ricardo III, de Shakespeare, e com essa encenação ganhei um prêmio nacional da crítica, que vinha acompanhado com uma bolsa de estudos na França. E então aí vim viver em Paris. É esse lugar onde me sinto melhor, pela beleza da cidade, pelo céu cinza permanentemente, pelo mal humor dos parisienses, pelas suas livrarias, pelas suas confeitarias, por seus museus… É um lugar onde a raiz do tempo nublado que é quase constante, há uma luz que me ajuda a concentrar-me e a poder escrever tranquilo.

MIGUEL ARCANJO PRADO – Por que você faz teatro?
SERGIO BLANCO –
Sempre o quero saber, mas não tenho sucesso em dar-me conta por quê. Me fazem essa pergunta seguidamente e eu também me faço, mas não consigo achar a resposta. A vezes penso que faço teatro porque é o único que sei fazer. Porque gosto da ficção e ver gigantes onde há moinhos. A semana passada me perguntaram por que escrevia e dei uma resposta que eu gostei: escrevo para conhecer o final de minhas peças.

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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