★★★★★ Crítica: Pai contra Mãe Ou Você Está me Ouvindo? atesta maturidade sofisticada do Coletivo Negro

Raphael Garcia, Aysha Nascimento e Flávio Rodrigues brilham em Pai contra Mãe ou Você Está Me Ouvindo?, de Jé Oliveira com o Coletivo Negro © Marcelle Cerutti Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

★★★
PAI CONTRA MÃE OU VOCÊ ESTÁ ME OUVINDO?
Avaliação: Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Quinta, 15h e 20h, sexta e sábado, 20h, domingo, 18h. Até 27/4/2025
Sesc Consolação – Compre seu ingresso!

O Coletivo Negro nos confronta com um espelho incômodo do Brasil contemporâneo em “Pai contra Mãe ou Você está me Ouvindo?”, um dos melhores espetáculos já criados pelo grupo paulistano, com foco nas tensões raciais no Brasil de ontem e hoje. Livre adaptação do conto de Machado de Assis sob dramaturgia e direção afiada de Jé Oliveira, a obra não apenas revisita a crueldade escravista, mas a escancara em suas ressignificações perversas no tecido social atual. Longe de ser uma mera encenação de um clássico, a montagem é um grito urgente e contemporâneo, um verdadeiro soco no estômago da nossa amnésia coletiva sobre um dos piores males do Brasil: o racismo.

O diretor Jé Oliveira, do Coletivo Negro © Fabio Audi Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Apropriando-se de forma sofisticada os recursos do teatro épico-dialético, Jé Oliveira faz uma das mais inventivas direções teatrais neste ano, com soluções criativas e criação de imagens que impactam e fazem o público mergulhar cada vez mais na história defendida pelo potente trio de atores: Aysha Nascimento, Flávio Rodrigues e Raphael Garcia.

Flávio Rodrigues, Jé Oliveira, Aysha Nascimento e Raphael Garcia em Pai Contra a Mãe ou Você Está Me Ouvindo? © Marcelle Cerutti Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Jé Oliveira, com a sensibilidade de um cientista social, tece uma trama onde o passado e o presente se imbricam de forma dolorosa. A figura do pai endividado de Machado, disposto a entregar uma mãe escravizada grávida para salvar seu filho, ganha contornos contemporâneos na pele de Osvaldo, um denso Raphael Garcia, um segurança negro em um supermercado. A Zaíra da Conceição construída de forma admirável por Aysha Nascimento, acusada injustamente de roubo, ecoa os corpos negros historicamente subjugados e criminalizados. A luta pela sobrevivência, ontem e hoje, expõe a fratura exposta de uma sociedade erguida sobre a exploração racial.

O ator Raphael Garcia em Pai Contra Mãe ou Você Está me Ouvindo? do Coletivo Negro © Marcelle Cerutti Divulgação Blog do Arcanjo 2025

A inteligência da potente direção reside também na materialização de um narrador encarnado com habilidade por Flávio Rodrigues, um Machado de Assis revisitado e reapropriado pela negritude. Essa escolha potente subverte a tentativa histórica de embranquecer o autor, reivindicando sua negritude como parte intrínseca de sua genialidade e de sua leitura crítica da sociedade brasileira.

O ator Flávio Rodrigues brilha como o narrador de Pai Contra Mãe ou Você Está me Ouvindo? do Coletivo Negro © Marcelle Cerutti Divulgação Blog do Arcanjo 2025

A cenografia pungente de Flávio Rodrigues, com o plástico multifacetado, opera como uma alegoria visceral do corpo preto: ora mar revolto da travessia forçada, ora mortalha nas ruas, ora engrenagem de uma moenda capitalista que se alimenta da exploração. As projeções no segundo ato criam um elo ainda mais explícito com a modernidade, desnudando como o capitalismo se nutriu e se perpetua através das desigualdades raciais.

Pai Contra Mãe ou Você Está me Ouvindo? do Coletivo Negro © Marcelle Cerutti Divulgação Blog do Arcanjo 2025

A música ao vivo, com composições originais de Jé Oliveira e Jonathan Silva, com direção musical de Guilherme Kastrup e Jé Oliveira e execução dos excelentes músicos Lua Bernardo, Mauricio Pazz e Thiago Sonho é um personagem à parte, que serve para abrilhantar ainda mais a história apresentada.

Fundado em 2008, o Coletivo Negro sempre se destacou pela centralidade da experiência negra em suas produções, desde a seminal Movimento Nº1 O Silêncio de Depois, vista por este mesmo crítico no Tusp. A partir daí, seus integrantes integraram outros projetos paralelos, o que trouxe ainda mais experiência para esta volta, com o time bem mais maduro, tanto cenicamente quanto na vida.

A atriz Aysha Nascimento comove o público em Pai Contra Mãe ou Você Está me Ouvindo? do Coletivo Negro © Marcelle Cerutti Divulgação Blog do Arcanjo 2025

“Pai contra Mãe ou Você está me Ouvindo?” marca um reencontro potente de seus membros fundadores, solidificando uma trajetória de resistência e afirmação no teatro brasileiro, no qual o Coletivo Negro é um dos grandes personagens nas primeiras décadas do século 21. A pergunta que ecoa no título secundário da peça – “Você está me ouvindo?” – é um chamado à escuta, um desafio à indiferença e à negação persistente do racismo estrutural que molda o Brasil. A montagem é mais que teatro; é um ato político que deixa os espectadores com um gosto amargo na boca ao constatar que, no Brasil, nada muda quando o assunto é quem detém o poder.

★★★
PAI CONTRA MÃE OU VOCÊ ESTÁ ME OUVINDO?
Avaliação: Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Quinta, 15h e 20h, sexta e sábado, 20h, domingo, 18h. Até 27/4/2025
Sesc Consolação – Compre seu ingresso!

A atriz Aysha Nascimento em Pai contra Mãe © Marcelle Cerutti Divulgação Blog do Arcanjo 2025

Ficha Técnica:

Idealização, Concepção, Dramaturgia e Direção Geral: Jé Oliveira
Assistência de Direção: Rodrigo Mercadante
Atuação: Aysha Nascimento / Flávio Rodrigues / Raphael Garcia
Direção de Movimento e Coreografia: Aysha Nascimento
Direção Musical: Guilherme Kastrup e Jé Oliveira
Baixo Acústico e Elétrico, Sopros e Voz: Lua Bernardo Bandolim, Violão, Guitarra, Cavaco e Voz: Maurício Pazz Percussão, Bateria, Samplers e Voz: Thiago Sonho
Composições Originais: Jé Oliveira e Jonathan Silva
Melodias: Jonathan Silva
Arranjos: Guilherme Kastrup, Jé Oliveira, Lua Bernardo, Maurício Pazz e Thiago Sonho
Preparação de canto: William Guedes
Videografia: Bianca Turner
Light Designer: Matheus Brant
Assistência e Operação de Luz: Aline Sayuri
Figurinos: Eder Lopes Costureira: Nininha Lopes
Cenografia: Flávio Rodrigues
Cenotécnico: Wanderley Wagner
Serralheiro: Mauricio Batista
Engenharia de Som: Tomé de Souza
Contrarregras: China, Billy e Flávio Serafin
Fotos: Marcelle Cerutti
Identidade Visual: Murilo Thaveira
Participação em Vídeo: Lilian Regina e Sidney Santiago Kuanza
Estudos teóricos e oficinas: Aysha Nascimento, Flávio Rodrigues, Jé Oliveira e Raphael Garcia
Produção Executiva: Catarina Milani
Assistência de Produção: Éder Lopes
Produção Geral: Gira Pro Sol Produções – Jé Oliveira

Blog do Arcanjo mostra imagens da trajetória do Coletivo Negro

Editado por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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