Consagrado na moda, Fause Haten conquista respeito no teatro

Fause Haten estreia musical “Lili Marlene” em São Paulo – Foto: Paulo Cabral

Por Miguel Arcanjo Prado

Fause Haten é um dos estilistas brasileiros mais bem sucedidos. Afinal, já teve suas coleções apresentadas não só na São Paulo Fashion Week como também nas semanas de moda de Nova York, Milão e Los Angeles.

Nos últimos anos, após se aventurar em um rápido projeto como cantor, ele se reencontrou realmente nos palcos, onde já conquistou o respeito da classe teatral, sobretudo pelo seu empenho e persistência.

O artista múltiplo estreia seu primeiro musical, “Lili Marlene”, nesta terça (16), no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, onde cumpre temporada às terças e quartas, 21h, até 28 de junho, com ingresso a R$ 60.

No musical pop rock, no qual assina direção, texto e letras das músicas compostas em parceria com Andre Cortada, Haten vive Lili, o neto de uma grande diva da época de ouro de Hollywood.

Nesta conversa exclusiva com o Blog do Arcanjo do UOL, ele fala sobre como o teatro salvou sua criatividade artística e faz questão de se definir como “fazedor de roupas”.

Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado – Como você entrou para o mundo do teatro?
Fause Haten – Eu sempre tive um fascínio por esse universo e vivia nas plateias, mas a moda me abocanhou desde meus 16 anos e nunca tive muito tempo pra pensar. Em 1999, desfile em Los Angeles. Em 2000, fiz meu primeiro desfile na NY Fashion Week, fiquei lá quatro temporadas e, em 2002, passei a desfilar na semana de moda de Milão até 2004. Era uma vida louca de muito trabalho, viagens etc.

Miguel Arcanjo Prado – E o teatro?
Fause Haten –  Um dia, eu me perguntei: o que estou fazendo aqui? Por que estou fazendo isso? Será que esse sonho de ser estilista internacional é o meu sonho? Percebi que não era. Eu tinha me tornado um empresário, administrando vendedores, equipes, lojas, clientes e, nas horas que dava, eu criava minhas coleções. Precisava de uma válvula de escape criativo e fui fazer um curso no Teatro Escola Célia Helena. Lá, eu passava minhas noites criando sem pensar em vendas nem resultados. Encontrei meu paraíso.

Fause Haten em big close: moda e palco andam juntos agora em sua vida – Foto: Paulo Cabral

Miguel Arcanjo Prado – Como foi esta descoberta?
Fause Haten – Fui percebendo que, além de fazer as roupas, ali no palco eu podia desenhar o cenário, o corpo dos atores, as palavras a serem ditas, a luz que incidiria naquele momento. Desde então, além de fazer cursos de formação como ator, passei a ser um estudioso da cena e de suas possibilidades.

Miguel Arcanjo Prado – Isso influenciou sua moda?
Fause Haten – Aos poucos com mais instrumento nas mãos, fui transformando meus desfiles, que eram meu único palco naquela época, em performances. De repente, me vi em cena, editando e dirigindo as modelos ao vivo e me percebi como performer. Na época que estava me desencantando do mundo dos desfiles internacionais, muitas vezes meu terapeuta, Klecius Borges, me deu nomes e endereços de escolas de teatro, tentando me incentivar, percebendo meu desejo contido. Eu demorei para conseguir ir e me matricular… Não foi um processo simples.

Miguel Arcanjo Prado – E como o teatro te recebeu?
Fause Haten – Quando cheguei nesse universo fui acolhido de braços abertos por centenas de profissionais que eu conhecia à distância, das plateias. Aos poucos, pude ir me mostrando e foram me ajudando a criar coragem pra soltar a minha voz cênica, me dizendo: “você sabe o que quer…vá e faça!”.

Miguel Arcanjo Prado – Quem te deu força?
Fause Haten – Elias Andreato, Ondina Clais, Marina Caron, Célia Forte, Selma Morente, Henrique Mariano, entre tantos outros, têm me acolhido e me incentivado.

Fause Haten em cena de “Lili Marlene, um Musical”: artista criou banda com André Cortada, parceiro nas composições – Foto: Paulo Cabral

Miguel Arcanjo Prado – Vamos falar de “Lili Marlene”. Como foi a composição desta obra?
Fause Haten – Eu comecei a ter ideias para esse trabalho em 2015. Sempre que tinha tempo,   escrevia textos e personagens. Essa foi uma primeira fase. A segunda fase foi em 2016 participei e fiz a curadoria do projeto #ForadaModa no Sesc Ipiranga, onde apresentei seis performances de 60 minutos de improviso, nas quais colocava em cena os personagens e textos, cada dia com uma proposta. Eu os chamava de “Lili Marlene, Um Risco”: : Risco 1 – O Nascimento de Marlene; Risco 2 – Fause e Marlene, um diálogo; Risco 3 – Ogro Tesco; Risco 4 – O Menino e a Bailarina de 97 anos; Risco 5 – O Menino e o Sacerdote; Risco 6 – A Morte de Marlene. Nessas performances surgiram as “escritas em cena”. No contato com o público alguns personagens se desenvolveram e alguns encolheram e até sumiram. Muitos textos novos surgiram e as personagens definiram mais suas personalidades. A terceira fase veio depois reunindo, transcrevendo todo esse material e criando o roteiro. A quarta fase aconteceu em janeiro desse ano, quando me reuni com André Cortada e nossa banda para  musicar e arranjar as letras.

Miguel Arcanjo Prado – Você raspou a cabeça por conta do personagem?
Fause Haten – Sim, raspei o cabelo para o projeto. Eu já tinha feito isso ano passado no Sesc e entendi que o Lili era careca.

Miguel Arcanjo Prado – Você também está no teatro com a moda, fazendo figurinos. Gosta de criar roupas para espetáculos? Por quê?
Fause Haten – Eu sou um fazedor de roupas. Trabalho com isso há mais de 30 anos e tenho meu olhar na arte de cobrir e envolver o corpo humano e seus movimentos. Pra mim tudo é uma coisa só, o mundo das artes, da moda e do teatro, tanto como figurinista como performer, eu sempre vou ter a base de um fazedor de roupas. Meu trabalho nas artes e na performance e nos palcos falam disso. Como o figurino pode fortalecer e modificar a cena e o corpo do ator. Fazer roupas para espetáculos e amigos foi um caminho natural de contribuir com essas pessoas e obras e poder conhecer as montagens por dentro.

Fause Haten: “Entendi que meu corpo jamais se adaptaria a um formato preestabelecido de voz, dança e atuação de teatro musical americano” – Foto: Paulo Cabral

Miguel Arcanjo Prado – Como é para você o desafio de fazer um musical?
Fause Haten – Quando comecei a estudar para ser ator, eu também comecei a fazer aulas de canto lírico, porque sempre gostei de teatro musical. Fiquei muitos anos com essa ilusão, até entender claramente que meu corpo jamais se adaptaria a um formato preestabelecido de voz, dança e atuação de teatro musical americano. Mas desde sempre eu queria escrever para teatro. Quando comecei a me exercitar como cantor, montei uma banda e sai por ai fazendo shows. Eu sempre tentava criar uma dramaturgia entre as músicas, criar cenas… Mas num bar, numa boate, não é o lugar pra fazer isso… Eu me sentia ainda incompleto. Por isso, quando estreei a peça “A Feia Lulu”, parei com os shows. O teatro era o lugar onde me sentia completo. Onde podia olhar nos olhos das pessoas e contar histórias.

Miguel Arcanjo Prado – E como ficou a música?
Fause Haten – Mas a música ainda era muito presente e necessária pra mim. André Cortada já compunha comigo e é formado em composição musical de teatro na Berkley e já era um plano nosso fazer um musical. Escrever músicas pra mim é algo muito natural, pode vir da melodia que puxa as palavras ou das palavras que vão criando uma cadência. Às vezes André e eu fazemos uma música em 40 minutos.

Fause Haten: “Cada dia mais tenho interesse pela humanização das relações, pelo olho no olho” – Foto: Paulo Cabral

Miguel Arcanjo Prado – E “Lili Marlene”?
Fause Haten – Esse trabalho foi composto em duas semanas e passamos mais seis semanas arranjando e ensaiando as músicas. “Lili Marlene” é o resultado de toda a busca que tenho feito nesses dez anos desde que entrei no curso de teatro. Esse sou eu, hoje!

Miguel Arcanjo Prado – Hoje quem manda mais no seu coração: o teatro ou a moda?
Fause Haten – Amo fazer roupas! Faço todos os dias. Adoro sentar na máquina e ficar costurando, ou cortando tecidos. Adoro passar meus dias no atelier do lado das meninas da minha equipe. Mas adoro poder à noite subir aos palcos olhar nos olhos do público e lhes contar histórias. Cada dia mais tenho interesse pela humanização das relações, pelo olho no olho. Acho que tenho conseguido conciliar esses mundos como um artista que não é bem de nenhum lugar, mas passeia por vários desses lugares… [sorri].

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