Atriz de A Força do Querer na Globo, Lucy Ramos vive tragédia de Mariana em peça
Por Miguel Arcanjo Prado
A tragédia de 2015 em Mariana, Minas Gerais, quando a barragem de rejeitos da mineradora Samarco se rompeu, destruindo tudo com 55 bilhões de litros de um lamaçal espesso e assassino, é tema do espetáculo “Hotel Mariana”, com a atriz Lucy Ramos no elenco. A atriz interpreta a personagem Leila na novela das 21h da Globo, “A Força do Querer”.
A peça está em cartaz em São Paulo e pode ser vista sábado e segunda, às 20h, e domingo, às 18h, até 10 de julho, no Estação Satyros (praça Franklin Roosevelt, 134, metrô República) com entrada a R$ 30 no sábado e domingo e gratuita na segunda.
A peça foi criada a partir de relatos dos sobreviventes, colhidos pelo dramaturgo Munir Pedrosa uma semana depois do maior desastre ambiental brasileiro. Em cena, os artistas usa a técnica do teatro verbatim, com atores com fones de ouvido e reproduzindo instantaneamente os relatos que escutam.
Estão no elenco Angela Barros, Bruno Feldman, Clarissa Drebtchinsky, Fani Feldman, Isabel Setti, Lucy Ramos, Marcelo Zorzeto, Munir Pedrosa, Rita Batata e Rodrigo Caetano.
O diretor Herbert Bianchi e o autor Munir Pedrosa conversaram com o Blog do Arcanjo do UOL sobre a peça.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Por que a tragédia de Mariana mexe tanto com você?
Munir Pedrosa — Mexe porque o que aconteceu em Mariana não foi um acidente e podia ter sido evitado. Mexe porque precisamos colocar em xeque um sistema que explora de forma predatória um minério que é nosso. Mexe pela morte de um rio assassinado. Mexe porque Bento Rodrigues não voltará a existir. Mexe porque a Maria do Carmo perdeu a casa, todas as 58 cabeças de galinhas e cinco dúzias de ovos. Mexe porque o Seu José, de 87 anos, perdeu todos os instrumentos musicais da banda da Folia da Reis. Mexe porque a Priscila perdeu a sobrinha de quatro anos e sofreu um aborto enquanto lutava para sobreviver. Mexe porque, não o que importa o que se faça, não há como ressarcir essas pessoas.
Miguel Arcanjo Prado — O que mais impressionou nas histórias coletadas para a concepção da peça?
Herbert Bianchi — O grau de realidade presente em cada história, da maneira particular de ver o mundo ao jeito próprio de contar, é de uma riqueza e singularidade tão grandes que a ficção dificilmente seria capaz de dar conta.
Miguel Arcanjo Prado — Como foi chegar em Mariana após uma semana da tragédia?
Munir Pedrosa — Eu era só mais um entre milhões de brasileiros estarrecidos com a notícia do rompimento de uma barragem em Minas, que arrastou para a escuridão gentes, bichos, coisas e as águas doces de um grande rio. Na pele de um repórter – que eu nunca fui – munido de um gravador, disposto a capturar a memória de um desespero que eu não tinha a menor ideia de qual fosse e aonde iria me levar, percorri perplexo rotas e rumos de lama e lodo, contei com a bússola luxuosa de um cigano das Gerais, guia acidental por trilhas e caminhos vicinais e, na incursão, colhi mais de 40 depoimentos de vítimas da maior tragédia ambiental já ocorrida no País. A recepção foi de amor e dor.
Miguel Arcanjo Prado — Alguém da equipe da peça é mineiro?
Herbert Bianchi — O mais instigante da técnica de teatro verbatim, tipo de teatro documentário em que depoimentos de pessoas reais são reproduzidos pelos atores no palco, é justamente a possibilidade de se reconhecer no outro, independentemente da natureza de cada um, aproximando culturas e realidades tão distantes quanto as fronteiras do nosso país.
Miguel Arcanjo Prado — Qual o recado mais importante desta obra?
Herbert e Munir — Uma experiência radical da alteridade que seja capaz de provocar no espectador uma sensação de responsabilidade pela injustiça que ele testemunhou.
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