Zé Celso e Oficina enfrentam caretice com O Rei da Vela – 50 anos

Renato Borghi e Zé Celso durante os ensaios finais de “O Rei da Vela”, remontada 50 anos depois – Foto: Jennifer Glass/Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado

A escalada de um pensamento altamente conservador e moralista bem como a recente censura a produções artísticas fazem o Brasil de 2017 se parecer, e muito, com aquele de 1967.

Naquele ano,  a peça “O Rei da Vela” foi lançada por José Celso Martinez Corrêa em montagem histórica e revolucionária com seu Teat(r)o Oficina para o texto escrito por Oswald de Andrade em 1933 e publicado em 1937, na antevéspera da 2ª Guerra Mundial.

“O que o Brasil está vivendo agora é um retorno dos tempos da época em que ‘O Rei da Vela’ foi escrita”, define Zé Celso, diretor do Oficina, sobre o retorno de sua obra clássica que tornou-se marco nos palcos do Tropicalismo em plena época de dura repressão da ditadura militar. A peça enfrentou a caretice vigente, desconstruindo e questionando todas as estruturas. Feito que pretende repetir.

Agora, 50 anos depois, reestreia neste sábado (21) no Teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195), em São Paulo, com concorrida temporada até 19 de novembro, sábado, 19h, e domingo, 18h, com três horas e meia de duração e ingressos a R$ 50 (inteira), R$ 25 (meia) e R$ 15 (credenciados do Sesc).

Renato Borghi em cena de “O Rei da Vela” em 1967 – Foto: Arquivo Oficina/Divulgação

A peça celebra ainda os 80 anos de vida de Zé Celso e de Renato Borghi, ator da encenação original que volta à remontagem, acompanhado de novo elenco, que conta com Marcelo Drummond, Sylvia Prado, Camila Mota, Tulio Starling, Ricardo Bittencourt, Regina França, Roderick Himeros, Elcio Seixas, Joana Medeiros, Danielle Rosa, Tony Reis e Vera Barreto Leite.

A obra tem ainda o cenário original de Hélio Eichbauer, com palco giratório e painéis artísticos iguais aos de 50 anos atrás.

Zé Celso diz que Renato Borghi está se cansando menos desta vez do que na montagem original. Renato explica o porquê: “Hoje não posso pular, estou com problema de coluna, estou todo emendado, se eu pular sai pelo céu da boca”.

Teatro Oficina, eleito o mais belo pelo The Guardian: luta para preservar o espaço dura 37 anos – Foto: Mário Pizzi/Divulgação

Luta pelo Oficina

Zé Celso lembra ainda que, ao mesmo tempo em que ele dirige a volta de “O Rei da Vela”, se vê preocupado com a preservação do Oficina da especulação imobiliária.

“O Teat(r)o Oficina foi tombado para preservá-lo da cobiça do Grupo Silvio Santos. Ele continua rondando, querendo o entorno, são 37 anos de luta de muita gente e de muitas instituições que conseguiram que não construíssem nada no nosso entorno. Até Regina Duarte nos apoiou. O Oficina é considerado pelo The Guardian em 2015 o melhor teatro do mundo. É um teatro excepcional, para realizar coisas excepcionais”, afirma o diretor.

Encontro

Além da temporada no Sesc Pinheiros, serão realizadas ações formativas, como o encontro “Rei da Vela: Ontem e Hoje”, no dia 26 de outubro, com a presença do diretor Zé Celso e do ator Renato Borghi, em que avaliam e validam a importância da remontagem da peça dentro do atual cenário político e cultural.

“O Rei da Vela” em 1967 é marco do Tropicalismo e do teatro brasileiro – Foto: Arquivo Oficina/Divulgação

Breve histórico de “O Rei da Vela”

Ano de 1967. Flávio Império e Rodrigo Lefèvre entram em cena para a reconstrução do novo Teatro Oficina, destruído num incêndio, e muitas das descobertas da Arquitetura Nova (movimento criado com Sérgio Ferro) foram incorporados.

O Oficina procurava um texto para a inauguração de sua nova casa de espetáculos que, ao mesmo tempo, inaugurasse a comunicação ao público de toda uma nova visão do teatro e da realidade brasileira.

As remontagens que o grupo foi obrigado a realizar por causa do incêndio estavam defasadas em relação à sua visão do Brasil desde abril de 1964. O problema era o do aqui e agora, recorda Zé Celso: “E o aqui e agora foi encontrado em 1933, em ‘O Rei da Vela’, de Oswald de Andrade”.

A peça estreou em setembro de 1967, continuando com temporadas de sucesso pelo Brasil e Europa. Em 1968, foi apresentada no Rio de Janeiro, no Teatro João Caetano – na época com 1.600 lugares na plateia –, seguindo para Belo Horizonte, Salvador, Recife, Belém e Manaus. Na Europa, foi apresentada em Florença (Itália), Nancy e Paris (França).

Em 1971, com outras duas montagens do repertório da companhia, “Pequenos Burgueses” e “Galileu Galilei”, a peça circulou na viagem Utopia dos Trópicos por 19 cidades brasileiras em dez meses: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Goiânia, Salvador, Recife, Fazenda Nova (Nova Jerusalém), Mandassaia, Santa Cruz, Brejo da Madre de Deus, Garanhuns, Caruaru, Natal, Fortaleza, Crato, Juazeiro, São Luís, Belém e Manaus.

Zé Celso e Renato Borghi celebraram juntos seus 80 anos no Oficina – Foto: Jennifer Glass/Divulgação

Breve histórico do Teat(r)o Oficina

Fundada em 1958, a Companhia Teatro Oficina se profissionalizou nos anos 1960 e obteve sucesso nacional e internacional de crítica e público.

Em espetáculos como “O Rei da Vela”, “Roda Viva” e “Gracias Señor”, experimentou tirar o ator do palco; tirou o público da cadeira; foi censurada e exilada nos anos 1970 pelo regime militar, reexistindo em Portugal na apresentação de espetáculos em fábricas durante a Revolução dos Cravos e realizando obras cinematográficas em Portugal, Moçambique, Inglaterra e França.

Com a abertura política, a companhia foi, aos poucos, retomando as atividades no Brasil. Em 1984, transformou-se em Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, misturando em seus ritos teat(r)ais música, artes plásticas, vídeo, arquitetura, urbanismo, em processos de co-criação entre artistas.

O teatro, projetado por Lina Bo Bardi e Edson Elito, mas ainda sem sua expansão pelo entorno, estreou com “Ham-let”, de Shakespeare, em 1993, seguido de montagens que até hoje fazem parte do repertório da companhia, como “Bacantes”, de Eurípedes, e “Os Sertões”, concebido a partir do livro de Euclides da Cunha.

A bigorna, lugar onde se forja o ferro e o corpo, onde se transforma e interpreta a vida, é símbolo da companhia desde sua fundação e foi colocada, por Lina Bo Bardi, na fachada do prédio localizado na rua Jaceguai, 520, no Bixiga, região central de São Paulo.

Tombado pelo COMPRESP, CONDEPHAAT e IPHAN, o teatro foi esculpido por quase seis décadas de incessante criação artística. Em 2015 foi considerado pelo crítico de arquitetura do jornal The Guardian o melhor e mais intenso teatro do mundo.

Saiba mais sobre “O Rei da Vela”

Zé Celso, a Dona Poloca em “O Rei da Vela” – Foto: Jennifer Glass/Divulgação

“O REI DA VELA” (2017) – Ficha técnica
Direção: Zé Celso
Conselheira poeta: Catherine Hirsh
Assistente do diretor: Cyro Morais
Elenco: Renato Borghi, Zé Celso, Marcelo Drummond, Camila Mota, Danielle Rosa, Elcio Seixas, Joana Medeiros, Regina França, Ricardo Bittencourt, Roderick Himeros, Sylvia Prado, Tony Reis, Tulio Starling e Vera Barreto Leite
Ponto: Nash Haila e Joana Medeiros
Diretor de arte: Hélio Eichbauer
Assistente do diretor de arte: Luiz Henrique Sá
Arquitetura cênica: Carila Matzenbacher e Marília Gallmeister
Diretor de cena: Otto Barros
Contrarregra: Vinicius Alves
Figurinista: Gabriela Campos
Assistente de figurino: Marcela Lupiano
Camareira: Cida Melo
Iluminador: Beto Bruel
Operador de luz: Ricardo Morañez
Sonoplasta: Andréia Regeni
Operadora de som e microfone: Rodolfo Yadoya
Diretor de vídeo e câmera: Igor Marotti
Câmera: Cafira Zoé
Estrategistas de produção: Camila Mota, Marcelo Drummond e Zé Celso
Diretora de produção: Ana Rubia Melo
Produtor executivo e administrador: Anderson Puchetti
Assistente de produção: Ederson Barroso
Comunicação e editoração do programa: Brenda Amaral, Cafira Zoé e Camila Mota
Programação visual, Design Gráfico e Ilustrações: Igor Marotti
Programação web: Brenda Amaral
Makumbas gráphicas | imagiário: Cafira Zoé e Camila Mota
Arquivista: Thais Sandri

Renato Borghi, 80 anos, vive Abelardo I em “O Rei da Vela”, 50 anos depois de fazer a peça histórica – Foto: Jennifer Glass/Divulgação

SERVIÇO
“O REI DA VELA”

De 21 de outubro a 19 de novembro de 2017. Sábados, às 19h e domingos, às 18h
Local: Teatro Paulo Autran (1.010 lugares) – Sesc Pinheiros – Rua Paes Leme, 195, metrôs Pinheiros ou Faria Lima (linha amarela), São Paulo
Ingressos: R$ 50 (inteira), R$ 25 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência) e R$ 15 (credencial plena do Sesc: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes).
Duração: 3h30
Recomendação etária: 16 anos

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