Crítica: Lee Taylor lapida atores até resultado impactante em AAA

“DOC. A.A.A.” reúne pessoas que sofrem falta de afeto em montagem tocante conduzida por Lee Taylor com elenco potente e afinado – Foto: Marcelo Villas Boas/Divulgação
Após comprovar seu talento em obras inesquecíveis do CPT (Centro de Pesquisa Teatral) comandado por Antunes Filho e também na TV na novela “Velho Chico” (Globo), na qual viveu Martim, o ator Lee Taylor segue seu próprio rumo.
Desde 2013, o goiano radicado em São Paulo está no comando do NAC (Núcleo de Artes Cênicas), no qual exibe ao fim de cada ciclo montagens instigantes e comoventes nas quais exibe a lapidação que fez em seus atores.
Este é o caso de “DOC. A.A.A. (Adictos de Afeto Anônimos)”, que reúne em resultado impactante egressos de seu curso de atuação neste 2017, que contou com os artistas pedagogos Lee Taylor, Hercules Morais e Gisele dos Reis.
A dramaturgia, feita a partir de depoimentos pessoais colhidos pelo elenco, traz um grupo que se mistura ao público em uma sessão de autoajuda tendo como fio condutor o desabafo sobre a falta de afeto que sentem.
Com cenografia simplória, tal qual seu mestre Antunes, Taylor se calca no talento de seu elenco – um dos mais afinados do ano – para conduzir os depoimentos que se intercalam.
Mesmo com nuances distintas, o elenco segue por uma mesma matiz cênica, longe das tintas fortes e infantilizadas comumente apresentadas em nosso teatro, se aproximando de teatros com atuação mais profundas, como é o caso do feito por nossos vizinhos Argentina e Chile, por exemplo.
“A.A.A.” é uma obra adulta, sensível, tocante. Ao público, fica a dica: deixe-se afetar por aquelas histórias. O mergulho profundo faz com que se extraia o melhor do espetáculo, que tem ainda Hercules Morais como diretor assistente, além das assistências de Elvis Törres e Pamella Martelli, na direção, e de Priscila Paciullo, no palco.
Elenco afinado e talentoso
De presença cênica inquestionável, o elenco formado por Anderson Vianna, Flávia Meyer, Giovanna Siqueira, Livia Matuti, Paulo Victor Gandra e Rebeca Ristoff é um verdadeiro achado, com todos demonstrando ter futuro promissor no campo da atuação, seja no teatro, no cinema ou na televisão.
Livia Matuti faz a construção dedicada de uma personagem transexual que precisou ressignifcar seu corpo em busca de adequação consigo mesma. Seu mergulho naqueles sentimentos e conflitos passados, bem como na descoberta de uma nova possibilidade de amor, é intenso. E o público sente.
Flávia Mayer dá vida a uma mulher ressentida com os dissabores de um sexo que apenas dá prazer ao outro, enquanto produz violência contra si mesma. De forte potência tragicômica, a atriz, intensa, capta as energias ao redor.
Giovanna Siqueira, por sua vez, vive uma mulher vítima da violência doméstica. De atuação delicada, a atriz ganha o público por sua sensibilidade, apesar de desfavorecida pela encenação em sua cena, já que outra cena, lasciva, ocorre concomitantemente ao seu monólogo.
Anderson Vianna, ator paraense que ganhou notoriedade em uma reportagem da Folha de S.Paulo que informava que após fazer uma ponta na novela “Velho Chico”, ele, cheio de dignidade, trabalhava com faxina para pagar as contas da sobrevivência em São Paulo, demonstra potência cênica ao incorporar a dor do luto em sua cena. É um grande ator, que consegue sensibilizar o público a cada olhar ou gesto, e que merece mais oportunidades, a começar da própria TV. Talento, tem de sobra.
Paulo Victor Gandra, que antes passou pelo elenco cheio de libido da nova geração dos Dzi Croquettes, é o fio condutor da história, com seu perturbado personagem. O ator faz construção verossímil em seu mergulho sem razão no suplício que invade o corpo de sua personagem.
Rebeca Ristoff, por sua vez, é o grande destaque do elenco. É uma atriz de força incomensurável em sua singeleza, que toca a todos com a história de quem precisou enfrentar muitas dores – e pequenas alegrias também – ao lado da mãe idosa. É uma das grandes revelações do ano no campo da atuação.
“A.A.A.” atesta que Lee Taylor, além do ator potente que todos já conhecemos em distintos veículos, é também dedicado ourives de atores, capaz de elevar suas atuações a um patamar ainda raro no teatro brasileiro contemporâneo.
“DOC. A.A.A.” ✪✪✪✪
Avaliação: Muito Bom
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